Outro conto sombrio dos Grimm - Adam Gidwitz

08:30


“Era uma vez uma menina que não gostava de contos de fadas. Ela os achava bobinhos e sem graça. Até que, certo dia, ela descobre que os contos que havia lido até então não passavam de adaptações dos contos originais. Se sentindo traída e na busca implacável pela verdade, ela descobriu que os contos de fadas são tudo menos fofinhos e com finais felizes: eles eram horríveis! E ela os amou assim, horríveis!

Esta história, leitores, é a minha história. De como eu me apaixonei por contos de fadas e como eu descobri que eles podem ser alterados para se adequarem a determinado público. A verdade é que até hoje essas adaptações são feitas, e não vejo nada de mal nisso, contudo, eu prefiro muito mais os contos daquele jeito macabro e sanguinário contado pelos irmãos Grimm. Logo, não pude deixar passar a oportunidade de ter Outro conto sombrio dos Grimm, lançamento da Galera Junior, em minhas mãos.
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Em Outro conto sombrio dos Grimm, o escritor/narrador Adam Gidwitz nos conduz ao lado de João (aquele do pé de feijão!) e Jill, sua prima (você estava pensando que seria a Maria? Aqui nessa estória Maria é um menino!).
Tudo começa quando Jill é forçada a usar pela sua mãe, a rainha, um vestido de seda. A questão é que essa seda, tão especial que ninguém podia vê-la, na verdade não existia, e a princesa Jill foi humilhada na frente de todo o reino. Já João, que prometeu vender a vaca Leitosa por cinco moedas de ouro, na verdade acabou a trocando por uma semente de feijão mágico, o que deixou seu pai furioso.
Os primos, depois de decepcionarem seus respectivos pais, decidem fugir subindo no pé de feijão que foi plantado por uma senhora misteriosa, que pediu em troca, que buscassem um espelho mágico para ela. Lá em cima, encontram gigantes, depois sereias, a seguir, duendes e por aí vai. Perpassando pelas estórias de vários outros contos de fadas, os dois, João e Jill, em companhia do sapo Sapo (o nome do sapo é Sapo, gente, e ele fala, obviamente) passam por diversas ameaças e embarcam numa viagem de autoconhecimento.
“Seu lar é onde você pode ser você mesmo.”


***
Seguindo a tradição dos contos de fadas originais, Gidwitz teceu uma narrativa recheada de referências a outros contos de fadas, como os da Mamãe Gansa, A roupa nova do Imperador, A princesa e o Sapo e muitos outros, em que a cada capítulo, iniciados com “Era uma vez” ou uma frase do tipo, o leitor se depara com uma referência diferente. O interessante é que, ao final do livro, o autor detalha de onde se inspirou em cada passagem do livro e quais capítulos são originais, ou seja, escritos sem nenhuma interferência de estórias já escritas. Além disso, ele manteve a essência sinistra e apavorante dos contos de fadas, porém, deu um toque de humor muito oportuno e que deixou a leitura divertida e demais.

“João levou uma vaca à feira do mercadinho,
“Encontrou um trapaceiro no meio do caminho!
O garoto mais burro de toda a região,
Trocou sua vaca por um feijão!”

Não posso deixar de citar as interrupções do narrador – que nessa estória usa a voz do próprio autor – que são muito, muito, muito engraçadas. Eu ria demais, como uma criança, com as passagens do narrador tentando explicar alguns absurdos ou pedindo desculpas por alguma parte nojenta ou cruel da narrativa:

“Vocês querem dizer essa palavra, não querem? [...]
É assim:
AI-DEC-CÊ VON FÓI-ER, DER MEN-CHEN FLAICH-FRÉS-ENDE.
Viram? Não foi tão ruim.
Agora, espero que vocês a pronunciem toda vez que eu a escrever, porque levo um minuto e meio para digitá-la e, se vou ter todo esse trabalho, é melhor que vocês também o tenham.”

Eu, que adoro um drama, adorei esse narrador!

Além da estória, que eu não tinha como dar menos que cinco estrelas no Skoob, a edição também merece um comentário à parte: é cheia de ilustrações que remetem à passagens da narrativa, com páginas amareladas e letras agradáveis para a leitura, a edição da Galera Junior está de parabéns. Ponto positivo também para a revisão, impecável.

***
Ao ler Outro conto sombrio dos Grimm, e também relacionando essa leitura a alguns teóricos que li no curso de Letras, como a Regina Zilberman e Teresa Colomer, fiquei pensando como foi que contos de fadas como os de Grimm e Hans Christian Andersen foram cair nas graças do público infantil. Pois, pensando aqui com meus botões, os contos de fadas originais remetem a muitos séculos atrás, já a literatura infantil é um advento recente, então, como um gênero que não foi escrito para crianças, hoje, é considerado literatura infantil? Quem foi que teve a ideia de transformar contos com temáticas como estupro, violência, crueldade, trapaças e maldade em estórias para crianças? É interessante pensar como estórias que eram da tradição oral, contadas entre adultos, depois escritas em forma de narrativa e consagradas nos nomes de Andersen, irmãos Grimm, Perrault etc., hoje, são associadas à crianças. Como diriam alguns professores meus: “Isso dá um TCC!”, e é uma discussão que eu deixo em aberto para discutirmos nos comentários, que tal?

Como vocês conheceram os contos de fadas originais? De quais versões vocês gostam mais: as adaptadas ou as originais?
Beijinhos, Hel.


GIDWITZ, Adam. Outro conto sombrio dos Grimm: João, o pé de feijão e um sapo de três pernas. 1ª ed. Rio de Janeiro: Galera Record, 2016. 351 p. Tradução de Rodrigo Abreu.

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16 comentários

  1. Olá!
    Adorei a resenha!
    Não conhecia o livro, mas fiquei bastante curioso. Gosto de livros com temáticas de conto de fadas, como Branca dos Mortos e os 7 Zumbis, e Dragões de Éter.
    =D

    http://osdragoesdefogo.blogspot.com/

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    1. Olá, Kaio.
      Que legal que você gostou, é um livro muito bom para crianças e adultos, com uma narrativa inteligente e divertida.
      Eu AMO contos de fadas, já deu para notar né, rsrs.

      :D

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  2. Oi Hel!
    Adoro contos de fadas, mas prefiro suas versões mais sombrias hahaha
    Comecei a pegar gosto por essa releitura dos contos que nós conhecemos (os "infantis) quando li a saga Encantadas (releitura de Branca de Neve, Cinderela e A Bela Adormecida) e o livro O Ladrão de Crianças (releitura de Peter Pan). Todos eles têm seu lado obscuro inadequado para os pequenos, e achei todos incríveis. Agora tenho vontade de ler e conhecer todos esses tipos de trabalhos!
    Adorei a resenha!
    Beijos
    www.blogleituravirtual.com

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    1. Olá, Marina! Também prefiro as versões sombrias, mas há releituras, como essa que resenhei e essas que você citou, muito boas e que valem a pena a leitura. Uma outra releitura que tenho muito interesse é A bela e a adormecida do Neil Gaiman, parece muito interessante.
      Muito obrigada, bjs!

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  3. Oi Hel! A capa do livro é linda. Então, há poucos anos descobri que as histórias infantis não era tão fofas como pensava. Pesquisando superficialmente descobri que não existia histórias dedicadas ao público infantil e que estas originais, tão trágicas eram contadas às crianças como forma de lhe aplicarem lições e ao mesmo tempo provocar medo. A literatura infantil veio a existir muito tempo depois, época em que contos foram suavizados. Concordo com seus professores, este assunto renderia uma boa pesquisa. Bjo! ;)

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    1. Olá, Maria!
      Realmente, os contos de fadas tinham um tom de moral mesmo. Um exemplo, e não sei se você já chegou a ler, é uma das versões de Chapeuzinho vermelho que é uma espécie de conselho para as mocinhas não darem ouvidos aos "lobos maus" e não perderem a virgindade, por incrível que pareça!
      É um tema que me interesso muito e tenho vontade de fazer alguma pesquisa voltada para essa área.
      Bjs!

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    2. Esta da Chapeuzinho Vermelho não sabia. Tem muitos mistérios nestas consideradas "histórias infantis". Bjo!

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  4. Essa foi a resenha mais recente do meu blog e confesso que gostei bastante. É uma proposta diferente de história, que ao mesmo tempo é divertida e ironica. Valeu realmente a pena a leitura.

    Visite: Cantina do Livro

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    1. Olá, Carlos! Eu li sua resenha, muito boa por sinal!
      Também acho que valeu muito a pena essa leitura, foi um tempo bem investido!

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  5. Adorei o começo do post com a sua história, ficou bem legal. Já estava bem interessada em ler esse livro e depoisd de saber que Maria é um menino me interessei mais ainda, parece ser uma leitura muito boa. Não conheço muito contos de fadas originais, mas curto bastante as adaptações, queria ter dinheiro pra fazer coleção de todas as adaptações existentes kkkk.

    Você sabia que existe uma série dos irmãos Grimm? Ainda não assisti mas falam muito bem dela.

    Beijos:*
    Escritas na Chuva

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    1. Olá, Dani. Que legal que você curtiu a minha estorinha, rsrs.
      O Maria, nesse livro, é um menino muito bully com o João, coitadinho.
      Te aconselho a ler os contos originais, a Zahar publicou uma coletânea muito legal com alguns dos mais famosos e recomendo demais se você se interessa.

      Beijinhos.

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  6. Olá, Helena.
    Já li a obra, adorei e concordo plenamente com a sua resenha.
    A forma que eu o autor interligou os diversos contos de fadas, sem perder aquela pegada dos contos originais, foi muito interessante. Ademais, adorei as intermediações do autor.
    Excelente resenha.

    Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de junho. Serão quatro livros e dois vencedores!

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    1. Olá, Muito obrigada.
      É realmente um livro muito diferente das fantasias justamente por se basear nos contos de fadas, sem, contudo, deixar de lado a essência deles.

      :D

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  7. Uau, resenha super completa! Me identifiquei também com sua introdução haha, eu sempre gostei de contos de fadas, mas achei muuuito interessante conhecer as histórias originais! Esse livro parece ser uma bela mistura, queria lê-lo também. Sobre a pergunta final, conheci na Internet e, apesar de achar muitíssimo interessante as versões originais, as histórias da Disney são mais bonitinhas ahsiudhau.

    Beijos, Vickawaii
    http://finding-neverland.zip.net

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  8. Olá Hel,

    Adorei sua resenha e fiquei muito curioso em relação a esse livro. Eu amo os contos originais e também amo as releituras que vem sendo feitas. Quanto aos seus questionamentos, eu também já me peguei fazendo esses questionamentos. Não entendo como algo tão sombrio pode ser considerado adequado para o público infantil. Eu realmente não entendo. É sim, isso é capaz de dar material até mesmo para uma tese de doutorado. Hahahaha.
    Como você gosta de contos, eu recomendo que você adquira "Once upon a time: uma antologia de contos de fada". O livro é excelente.

    Abraços.

    Léo

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  9. Este livro também está em minha lista de compra. Com a sua resenha me deu a certeza de que preciso ler. Muito bom!!!!! To doida aqui. :-)))

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