Anna Kariênina - Liev Tolstói

"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira." (TOLSTÓI, p. 17)

Esse é talvez um dos inícios mais famosos da literatura mundial e dá ao leitor a noção exata do que a obra se trata: uma narrativa sobre famílias infelizes, destruídas (ou não) pela traição e outros dilemas.



Apesar de ser uma estória com dezenas de personagens, o núcleo principal concentra-se em Anna Kariênina, Vrónski, Liévin e Kitty.

Anna é casada e tem um filho com o Kariênin e, no início da narrativa, é convocada pelo irmão, Stiepan, a visitá-lo. Stiepan é pego traindo sua mulher com a governanta e tem esperanças que Anna acalme os ânimos da cunhada. Ao chegar em Moscou, Anna se encontra na plataforma de desembarque com Vrónski e eles se encantam um com o outro instantaneamente (quase amor à primeira vista) e a visão de Anna causa uma profunda impressão nele. Essa cena é muito marcante e de fundamental importância à narrativa, pois os eventos que acontecem ali vão determinar o destino do casal.

"Penso [...] se há tantas cabeças quantas são as maneiras de pensar, há de haver tantos tipos de amor quantos são os corações." (TOLSTÓI, p. 146)

Kitty é irmã da mulher de Stiepan, e está sendo cortejada por Liévin e Vrónski ao mesmo tempo. Porém, ela tem uma clara preferência por Vrónski, já que ele tem uma posição social de mais status, enquanto Liévin é um senhor de terras. Apesar disso, o leitor já de início percebe qual dos dois tem intenções sérias e qual apenas quer diversão.

Liévin, por sua vez, é um dos personagens mais interessantes (ao meu ver e talvez por se assemelhar tanto ao próprio Tolstói) de toda a estória. Ele é de uma personalidade humilde, sensata e possui uma timidez que cativa o leitor e, ao ser rejeitado por Kitty em detrimento de Vrónski, tem uma das reações mais adoráveis e dignas de pena. Gostei muito dele, também, por ele ser de uma personalidade questionadora, principalmente no que tange a religiosidade e a fé. Muitas das indagações de Liévin são minhas, também, e isso me fez sentir uma carinho especial por esse personagem.

Por último, Vrónski, que apesar de ser objeto de desejo e afeição de Anna, não me despertou nenhum sentimento. A não ser raiva, no início. Apesar disso, ele representa para Anna o amor genuíno que ela não pôde ter quando mais jovem, por ter sido "obrigada" a casar-se com Kariênin. Apesar de o marido dar uma vida luxuosa para ela, era amor que ela precisava:

"Eu sou como uma pessoa faminta a quem deram o que comer. Talvez essa pessoa esteja com frio, e suas roupas estejam rasgadas, talvez sinta vergonha, mas infeliz não é." (TOLSTÓI, p. 196)

Mas para Kariênin, que a esposa o traísse à vontade, mas que não quebrasse o decoro, que não deixasse a sociedade saber, pouco se lixava para os sentimentos dela.

***

Por onde começar a falar desse livro? Poderia começar dizendo que amei e que não é uma leitura difícil, embora eu tivesse a impressão (errada) de que seria. Torci pelos protagonistas, sofri com eles e foi como se eu realmente estivesse vivenciando tudo aquilo. E isso só é possível quando nos deparamos com uma obra tão bem escrita quanto essa. Claro que teve momentos em que o ritmo da leitura se arrastou um pouquinho, mas não desmerece a experiência da leitura.



Um dos pontos que mais me chamou atenção é o tratamento diferenciado que Anna e o irmão recebem diante de suas traições. Enquanto Stiepan trai sua mulher repetidas vezes e é perdoado, não só pela mulher como pela sociedade russa, Anna é praticamente escorraçada e privada do convívio em sociedade. Claro que não quero dizer que o que eles fizeram foi certo, mas que, à época, isso era normal: a mulher precisava manter o decoro e os homens podiam fazer o que bem entendiam. Obviamente que esse é um dos temas principais do livro e não poderia deixar de comentar.

Outro ponto a ser comentado é a situação de Anna. Se por um lado todos reconheciam que a situação dela era infeliz, pois ao abandonar o marido precisou abandonar o filho e toda a vida que possuía, por outro lado nada faziam para ajudá-la e Anna sentia-se extremamente solitária em seu sofrimento, sem ter nenhum amigo a quem desabafar. E isso me fez pensar em quantas vezes conhecemos alguém e ignoramos o sofrimento dessa pessoa, por comodidade ou por pensar que nunca nos aconteceria o que acontece a ela. Isso mostra que há mais egoísmo no mundo do que pensamos e que esse individualismo se manifesta das mais variadas formas.

"O mais importante é que eu não queria que pensassem que pretendo provar alguma coisa. Não quero provar nada, quero simplesmente viver; não fiz mal a ninguém, senão a mim mesma. Tenho esse direito, não tenho?" (TOSLTÓI, p. 605)

Acredito ser impossível eu fazer uma resenha decente para esse livro, faltam-me palavras e também existe a grande dificuldade de elogiar um livro e conseguir mostrar ao leitor porque gostei tanto da leitura, a ponto de convencê-lo a ler também. Só posso dizer que foi uma experiência de leitura muito diferente de todas as que tive anteriormente. Tolstói escreveu personagens tão maravilhosos nesse livro, considerando o enredo que já foi abordado em diversas outras obras, a traição, que fazem de Anna Kariênina um livro singular e leitura obrigatória para aqueles que apreciam um bom romance histórico. Além disso, por ter achado a linguagem acessível, recomendo para aqueles que querem conhecer um pouco a literatura russa. Obviamente, é uma leitura de fôlego, pois são mais de oitocentas páginas, porém, vale a pena.

Por fim, recomendo que leiam a resenha da Paula, do Caçando Ouriços, para conhecerem uma opinião extra sobre esse livro e, também, porque a Paula escreve as resenhas mais maravilhosas da galáxia.

Beijinhos, Hel.

TOLSTÓI, Liev. Anna Kariênina. Tradução e apresentação de Rubens Figueiredo. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 816 p.

TAG: Livros em fatias

A lindona Thamiris, do Historiar, me convidou mais uma vez a responder a TAG Livros em fatias (obrigada Thami por sempre me tagear 😘) , que é composta por oito questões que nos levam a pensar nas leituras como pedaços de bolo. Pode parecer estranho isso, mas vão por mim, a ideia é interessante, vamos lá: 


Primeiro pedaço: O mais gostoso de todos eles, aquele que você come primeiro com os olhos - Um livro que você comprou pela capa.

Com certeza, Anna Kariênina, além de ter achado o livro muito bom, eu não pude deixar essa edição da Cosac Naify se perder.

Capa dura, São Petersburgo e Moscou na capa, fitinha de cetim para marcar onde parou, ilustração em cada início de capítulo... Um arraso!

Segundo pedaço: Você só está começando e o segundo pedaço sempre deixa um gostinho de quero mais - Um livro que você leu e não vê a hora de lançarem a continuação.

Não leio livros que são trilogias, sagas, etc., então, pulo essa pergunta.

Terceiro pedaço: Aquele que te faz querer outros sabores - Um livro que de tão bom, te faz querer ler todos os outros do mesmo autor.

Orgulho&Preconceito, da Jane Austen. É considerado o melhor livro da Janezinha. Além dele eu li Persuasão, Mansfield Park e Emma, e tenho A abadia de Northanger me esperando na estante.

Quarto pedaço: Quando você pensa que não vai mais conseguir comer, ele apenas abre mais apetite - Um livro que você não gostou no começo mas depois a leitura ficou irresistível.

O apanhador no campo de centeio, do J.D. Salinger. Achei estranho no início e a minha expectativa era totalmente diferente do que eu encontrei no livro, mas, depois, amei a história.

Quinto pedaço: Não tem o mesmo sabor que os outros pedaços, mas ainda assim você come - Um livro sequência, mas que não foi tão bom quanto os outros.

O restaurante no fim do universo, do Douglas Adams. Até gostei, ri e me diverti do mesmo modo que com a leitura do primeiro, mas é claramente mais fraco.

Mesmo assim, quero continuar lendo a série.


Sexto pedaço: Você já não está mais sentindo o gosto dele - Um livro com a leitura arrastada, por mais que você se esforce para digerir.

Morte súbita, da J. K. Rowling. Esse foi uma leitura que, pelo gênero, não deveria ser tão densa, afinal, seguia um estilo drama adolescente. Porém, tinha tantos personagens e nenhum foco em algum deles, que eu fui lendo só por inércia, mesmo. Porém, o final fez valer a pena.

Sétimo pedaço: Aquele que te deixa empanturrado - Um livro que você leu mas a leitura não flui, como se ficasse entalado na garganta.

O pêndulo de Foucault, do Umberto Eco. Foi uma tortura, ouso dizer, conseguir terminar as mais de 600 páginas desse livro. Eu fiz a resenha, mas só porque era de parceira, se dependesse de mim, eu esquecia que li esse livro.


Oitavo pedaço: Você não aguenta nem olhar para ele - Um livro que você detestou e por esse motivo ele encontra-se abandonado na sua estante, aguardando uma nova chance.

Eu não costumo dar segundas chances para livros que eu não gosto, se eu abandonei, é vida que segue e livro que é passado adiante. Por isso, me abstenho de responder essa pergunta, não me xinguem.

***
Para responder a TAG também, eu vou indicar os blogs: Eu curto Literatura, Check-in virtual e Loucura por leituras.

Vamos conversar nos comentários!?
Beijinhos, Hel.

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

Fahrenheit 451 é uma leitura de deixar qualquer leitor de cabelo em pé, já que, no universo da estória, ler ou mesmo ter livros em casa, é considerado um crime sujeito à prisão. Os que são pegos com livros em casa são denunciados e os bombeiros incineram tudo. Isso mesmo, ao invés de apagar fogo, os bombeiros ateiam fogo, já que as casas são à prova de incêndio nessa época. Sem livros, as pessoas vivem tão ocupadas em distrações como programas de televisão e tão dopadas de remédios, que elas sequer conseguem manter uma conversa interessante.

Como eu li no kindle, fiquei pensando, inevitavelmente, que Bradbury não previu os e-books, haha.

O protagonista é Montag, um bombeiro que, após uma conversa com sua vizinha, Clarisse, começa a questionar o status quo. E aí começa a ver a situação por um novo ângulo. Porém, com o desaparecimento misterioso de Clarisse, ele começa a se rebelar e esconder livros dentro de sua casa, colocando em alto risco sua situação e correndo o risco de ser denunciado por seus conhecidos aos seus colegas de trabalho.

"Não estava feliz. Não estava feliz. Disse as palavras a si mesmo. Admitiu que este era o verdadeiro estado das coisas. Usava sua felicidade como uma máscara e a garota fugira com ela pelo gramado e não havia como ir bater à sua porta para pedi-la de volta."

***

O enredo de Fahrenheit 451 encaixa-se no gênero literário distopia, um dos meus favoritos. Sabemos que as distopias simulam uma realidade futurística, normalmente uma realidade em que os sistemas políticos são opressores e as condições de vida são intoleráveis, o contrário, logo, de utopia. Porém, se tem algo que as distopias me fazem refletir é que elas não estão tão distantes assim da nossa realidade. É claro que não queimamos nossos livros, hoje em dia, mas o que eu quero dizer é que há uma queima simbólica de livros, sim. Afinal, como queimamos nossos livros atualmente?

Antes de entrar no mérito da questão acima, preciso dizer que essa edição da Biblioteca Azul está excelente, com textos de apoio, um de autoria do próprio Bradbury, em que ele vai versar sobre alguns assuntos que me deixaram muito reflexiva. Claro que o romance, em si, já me fez pensar muito, mas foi com a leitura do texto do autor que eu cheguei em um assunto que muito me preocupa, a adaptação/simplificação de livros.

"[...] para isso que vivemos, não acha? para o prazer, a excitação? E você tem de admitir que a nossa cultura fornece as duas coisas em profusão."

Li, no ano passado, um artigo que criticava e analisava um projeto que estava causando muita polêmica no Brasil, encabeçado por Patricia Engel Secco, que tinha o intuito de simplificar, facilitar, as obras do Machado de Assis por meio da reescrita e troca de termos "difíceis" por uma linguagem mais "acessível" aos jovens leitores. Reparem que difíceis e acessível estão entre aspas porque a questão é tão esdrúxula que não poderia deixar de questionar a validade de tal proposta e questionar o que seria, então, considerado difícil e acessível.

"Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. Os que vivem no conforto querem apenas rostos com cara de lua de cera, sem poros nem pelos, inexpressivos."


A principal crítica é a de que, enquanto literatura, textos como os de Machado de Assis encerram em si questões que vão além dos aspectos linguísticos, como o contexto histórico e todo o aspecto estético e estilístico do autor em questão. Com a simplificação do vocabulário, não só o texto irá perder sua historicidade, como também a sua identidade e passará, então, a ser um novo texto, não mais aquele original. Entendem como tudo isso é prejudicial?
Será que vale a pena fazer com que o texto literário chegue até o leitor dessa forma? Não seria essa proposta uma forma de mascarar o problema da leitura no Brasil, numa tentativa de “tapar o sol com uma peneira”? Não seria mais fácil, então, investir em práticas mais eficazes de leitura ou na escolha de textos mais contemporâneos, já que os textos canônicos são “difíceis”? Obviamente, a proposta de simplificar os textos ditos “enfadonhos e difíceis” para os leitores compreenderem não é a maneira mais acertada de consertar o problema da leitura. 

Deixando os devaneios um pouco de lado e voltando ao livro em questão, vocês percebem que não é preciso queimar um livro para que a literatura seja prejudicada?  

E mais uma impressão que a leitura de Fahrenheit 451 me causou foi a de que a leitura, nem sempre, nos faz sermos mais críticos. Alguns dos personagens, por exemplo o chefe do Montag, liam, mas isso não os tornavam melhores, muito menos os levavam a se questionar sobre o estado das coisas. E, também, havia o fato de que somente os livros ditos "literários" eram banidos, sendo que outros tipos de livros que não concentravam nenhuma literariedade em si eram permitidos. O que me leva à questão da grande parte dos livros que são comercializados atualmente: seriam eles literários? Ou seriam apenas subterfúgios, distrações, assim como as telas em que a mulher de Montag passa seu tempo assistindo?

Lanço essas questões e as deixo em aberto, pois eu me prolongaria demais se escrevesse tudo que me vem à mente sobre esse assunto, mas, claro que podemos conversar nos comentários, sempre.

Também deixo a indicação de leitura desse livro, que é maravilhoso e que deveria ser lido por todos, em especial, essa edição.

Beijinhos, Hel.

BRADBURRY, Ray. Fahrenheit 451. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Globo, 2012. 

O que há de errado com os spoilers?

TEJEM AVISADOS!
 Spoiler é uma palavra de origem inglesa e que deriva do verbo to spoil, que pode ser traduzido como estragar. Mas será que um spoiler pode mesmo estragar toda (toda!) uma experiência de leitura a ponto de fazer com que o leitor desista de ler um livro ou o finalize com um sentimento de que não teve a mesma graça?

Por exemplo, todos sabem que existe a dúvida se Capitu traiu Bentinho ou não, mas não é por isso que o livro perde seu interesse diante dos novos leitores, ou mesmo Anna Kariênina ou Madame Bovary, que são livros que, de antemão, o leitor já sabe que fala de mulheres adúlteras que cometem suicídio. Romances desse naipe não se leem para "saber qual é o final".

Um spoiler só "estraga" uma leitura quando a narrativa é tão pobre que o único artifício narrativo que sustenta a atenção do leitor é um plot twist. Sabe aquele livro que você só lê para saber quem é o assassino ou se o casal vai ficar junto no final, mas que você não suporta mais tanta enrolação e só se mantém firme no propósito de ler porque está curioso? Se alguém te conta que o assassino é o mordomo ou que o casal fica junto e tem três filhos e um cachorro, é normal você se irritar, afinal, perdeu horas e dias da sua vida para chegar até ali.

Mas reparem, nessas narrativas em que um spoiler pode estragar tudo, o ponto alto da estória é o plot twist, a revelação, o desfecho, quando na verdade deveria ser a escrita, ou o estilo do autor, ou as reflexões que o livro causa etc.. Um livro bom, daqueles que spoiler nenhum é capaz de estragar, se mantém atemporal e conquista leitores não importa o quanto seja comentado ou quanto tempo passe. Boas estórias são mais do que uma sucessão de acontecimentos que se desenrolam até um desfecho.

Lembro, ou melhor, não lembro, de quando essa história de spoiler começou. Quando eu era criança (chegou a idosa) eu consumia uma quantidade considerável de mangás de Dragon Ball e assistia muitos filmes depois de o meu irmão mais velho já ter lido/assistido. O meu irmão era uma espécie de crítico para mim, só depois que ele assistia ou lia e me dizia como era a estória (com muitos spoilers) é que eu, criança influenciável que era, me decidia.



Mais tarde, o mesmo aconteceu quando comecei a  ler Stephen King, novamente sob influência do meu irmão. Lembro de que ele me contava o porquê de certos contos serem tão assustadores e eu queria lê-los justamente porque queria sentir as mesmas emoções.

O que eu quero dizer com isso tudo é que nenhum spoiler pode substituir a experiência da leitura, caso o faça, acho que o livro lido precisa ser reavaliado. Óbvio que essa é uma opinião minha, baseada em minha experiência enquanto leitora, e talvez isso explique o fato de eu não ser grande fã de autores como Agatha Christie ou que seguem gêneros de estórias que se baseiam em prender o leitor para a grande revelação. Isso também explica o porquê de eu gostar tanto de reler os livros que me tocaram de alguma forma. Não ligar para spoilers é uma grande bênção em minha vida, como vocês podem imaginar. Inclusive, sou o tipo de pessoa que pede spoiler, por incrível que pareça.

Bom, por fim, reconheço que não é porque eu não me importo em descobrir partes "importantes" de uma estória que eu deva sair por aí soltando spoilers, não acho isso certo. A não ser casos como os citados no início do texto, de livros já tão consagrados pelos seus desfechos que não seria um spoiler a "estragar" a leitura deles.



O que vocês acham desse assunto? Se importam com spoilers?

Beijinhos, Hel.

Cada segredo - Laura Lippman

É comum romances policiais abordarem um crime muito chocante, com requintes de crueldade ou com um aparente mistério na identidade do assassino. Mas, em Cada segredo, Laura Lippman aborda um tema polêmico: crianças que cometeram crimes hediondos. Parece inconcebível que uma criança tenha o impulso de matar, e é justamente essa ideia que o livro traz: todas as crianças são inocentes?

"Crianças matam. [...] Porque elas não compreendem, sabe? Não compreendem a morte, é o que quero dizer." (p. 175)

Alice Manning e Ronnie Fuller são duas "amigas de férias", pois, como eram vizinhas, acabavam se aproximando nessa época todo ano. Certo dia, numa festa de aniversário, Ronnie se mete em uma confusão com a mãe da aniversariante e ela e Alice são mandadas embora. No caminho, se deparam com um carrinho de bebê aparentemente abandonado e resolvem "cuidar" do bebê. Depois de alguns dias a polícia encontra o corpo do bebê, Olivia Barnes, neta de juiz muito poderoso, e descobre que uma das meninas foi quem a matou. A mãe da bebê, Cintia Barnes, faz de tudo para encontrar uma brecha na lei que faça com que as duas paguem na cadeia o crime que cometeram, mesmo sendo crianças de onze anos.



Sete anos depois, Alice e Ronnie estão com dezoito anos e são liberadas do reformatório. Mas, coincidentemente, e para azar delas, outra menina desaparece e Cintia Barnes tem certeza de que uma das duas está envolvida nesse crime novamente. A menina desaparecida é muito parecida com a sua filha mais nova e isso faz com que Cintia desconfie que seria vingança de uma delas. Só que agora Alice e Ronnie são adultas. 

Qual das duas matou Olivia? O que as teria motivado?

***

Esse livro estava parado na minha estante há muito, muito tempo. Confesso que escolhi para ler somente para tirar da estante e achava que não ia gostar, minha expectativa era muito baixa. Primeiro porque, esteticamente, a capa não agrada e, segundo, porque não é um gênero que eu goste. Foi uma grata surpresa me ver envolvida na trama e desejar saber o final da estória. Também me agradei muito de um dos temas que a autora trouxe, o racismo velado. Acontece que a menina que Ronnie e Alice mataram é negra, filha de negros. Será que se os Barnes não fossem ricos e influentes, Alice e Ronnie teriam ido presas? E se fosse o contrário: duas meninas negras que matassem um bebê branco?

Sobre o ritmo da narrativa, ela é bastante lenta e maçante no começo até quase o final, com muitas descrições de processos burocráticos e da rotina dos detetives, mas eu estava curiosa pelo desfecho, então, me mantive fiel à leitura. E, se eu tivesse desistido, seria uma pena, pois o desfecho é relativamente surpreendente e tem aquele plot twist quando a gente descobre a verdade por detrás da morte de Olivia Barnes e descobre o que motivou a "assassina".

Recomendo essa leitura para quem gosta de enredos policiais, investigação. Além disso, a estória também explora de forma satisfatória as singularidades das protagonistas, o vínculo entre elas, a rivalidade e traz uma reflexão bem interessante sobre o racismo. Também faz refletir sobre como a justiça deve punir crianças, que é uma discussão muito polêmica. Afinal, crianças devem ser responsabilizadas pelos seus crimes como os adultos?

Por fim, acredito que apesar de trazer discussões relevantes e ter um enredo relativamente original, o livro se prolonga demais, poderia tranquilamente ter 250 páginas que não teria prejuízo na narrativa. Além disso, ao invés de a autora ter tentado aprofundar todos os personagens, acrescentando fatos e pensamentos que em nada acrescentavam ao enredo, ela poderia ter trabalhado melhor as protagonistas. É uma estória mediana, sem falhas nem lacunas narrativas, mas que não tem muito carisma.

Beijinhos, Hel.

LIPPMAN, Laura. Cada segredo. Tradução de Márcia Alves. Rio de Janeiro: Record, 2011. 406 p.

TAG: Dia e Noite

TAG


Olá, leitoras e leitores. Tudo bem com vocês?
Hoje venho responder a TAG Dia e Noite. Quem em indicou foi a Thamiris do Historiar. Vamos lá?

D - Durante o dia ou à noite?
Como eu trabalho de manhã e de noite, normalmente leio de tarde. Também leio de noite se não tem muita coisa para fazer na casa, mas a verdade é que não tenho preferência e leio quando posso.

I - Indique um livro que mudou seu ponto de vista sobre algo.
Poderia citar muitos, mas um que me fez refletir muito foi Admirável Mundo novo, do Aldous Huxley. Essa leitura me fez pensar tanto e me abriu a cabeça para tantos temas que eu nem consegui escrever uma resenha, haha.

A - Alguma vez você já derramou algum líquido em um livro?
Não, nunca. Mas já emprestei um livro e derrubaram café, então, eu tenho um livro manchado de café. 😠

E - Existem pessoas que não gostam de ler. Isso é positivo ou negativo?
Não consigo imaginar como poderia ser positivo não gostar de ler. Tudo é linguagem, linguagem é informação e comunicação. Como alguém que não lê pode viver atualmente? Não sei se a pergunta se refere a leitura de literatura de ficção, ou a qualquer tipo de livros, mas em ambos os casos, acho que não é algo positivo.

N - Ninguém encosta no meu livro x Eu empresto sem nenhum problema.
Empresto sem problemas, mas para pessoas que eu conheça e saiba que vão cuidar do livro. Assim como qualquer item pessoal, como uma roupa ou um calçado, acho que o bom senso deve ser usado por quem pega um livro emprestado.

O - Oficialmente autografado: mostre sua cópia!
Só tenho um livro autografado, que é o Jovem Aléssia, da Louise Bennett:



I - Ilustração ou não?
Eu adoro, não importa o gênero. Acho que um livro bem ilustrado tem o seu valor.

Esse do George Martin, O dragão de gelo, é um exemplo de livro bem ilustrado que eu amo!

T - Tenho muitos livros. Verdadeiro ou falso?
Acho que é verdadeiro. Tenho em torno de uns 80 títulos, de vez em quando eu me desapego de alguns, minha biblioteca tá sempre oscilando o número de exemplares. Claro que eu gostaria de ter mais, mas estou satisfeita com meu acervo. Acho que a minha meta não é ter muitos livros, mas sim uma estante com títulos que eu tenha gostado da leitura e que expressem quem eu sou enquanto leitora.

E - Escolha o seu maior livro, que tenha sido uma barganha.
Novamente, eu achei a pergunta confusa: maior livro seria com maior número de páginas? Vou supor que sim. Poderia também citar vários títulos aqui, pois sou uma pessoa que frequenta muitos sebos e garimpa muitas promoções, além de adorar um calhamaço. Mas vou simplificar e citar o último livro grande que adquiri: a edição comemorativa de 50 anos de Laranja Mecânica, ilustrada e capa dura com jacket, paguei somente R$36!

***

E é isso, pessoal. Para concluir, vou indicar a Tainan do Eu curto Literatura, a Lívia do Check-in virtual e a Lethycia do Loucura por leituras.

Beijinhos, Hel.

A redenção do anjo caído - Fábio Baptista

"Ele me criou assim, com um coração repleto de ambição e me colocou ao lado do que eu mais poderia desejar: o poder!" (2016, BAPTISTA)

Certo dia o diabo (capeta, capiroto, the mônio ou como você preferir chamar) depois de muito refletir nas profundezas do inferno, percebe que nada que fará será suficiente para derrotar seu pai, o Altíssimo, que, sendo onipotente, onipresente e onisciente, é invencível e que qualquer nova tentativa de tomar o trono dEle e se tornar o senhor do universo será infrutífera. É então que ele resolve ir até a morada do Pai buscar redenção, se redimir. Claro que não ia ser tão fácil, afinal, Deus não dá o peixe, mas sim a vara para pescar. Sendo assim, propõe a Lúcifer que ele passe uma temporada na Terra, entre os humanos e que, na sua estadia por lá, faça algo de bom pela humanidade. A princípio, Lúcifer acredita parecer ser fácil a tarefa, mas quando acorda na Terra, no meio de São Paulo, no corpo de um mendigo, ele vê que vai ser mais difícil do que imaginava.

E-book disponível na Amazon
"Não servirei mais como marionete, não vou ceder aos santos caprichos. Se a história precisa de um vilão, alguém louco o suficiente para enfrentá-lo em combate aberto, Ele que arrume outro, porque eu não vou mais participar dessa palhaçada. Estou farto, esgotado." (2016, BAPTISTA)

No primeiro momento, conhecemos um resumo geral da história bíblica; Deus criando seu primeiro anjo, Lúcifer, portador da luz, e o relacionamento dos dois. Quando Deus resolve criar outros anjos, Lúcifer fica irado e mordido de ciúmes, mas quando o pai resolve criar a Terra e os seres humanos... ah, ele não aceita e se rebela contra ele, na guerra do bem e do mal que conhecemos tão bem.
Mas, como dito no início, ele percebe que nunca vai vencer o pai e que a única alternativa é entrar para a seita, aceita que dói menos. Desculpem, não resisti ao trocadilho! Na Terra, Lúcifer passa a se chamar Lucien, e conhece já em seu primeiro dia Gisele, uma menina de rua. Imediatamente ele se encanta e fica afeiçoado a ela, mas precisando de dinheiro para comer, aceita fazer um "corre" com a menina nas ruas da cidade. Sim, em seu primeiro dia Lucien já começa cometendo delitos, velhos hábitos nunca mudam.
Nas ruas, a vida é cruel e solitária e o diabo come o pão que... Bem, vocês entenderam. Ali na sua nova vida ele, que outrora incitava a maldade nas atitudes das pessoas, agora as sofre em sua própria pele e não acha nada bom.

"Ninguém olha para os perdedores." (2016, BAPTISTA)

Fica cada vez mais difícil para Lucien sair da situação de mendigo e ascender socialmente, mas, como que por um golpe de sorte, ele acaba indo parar na política. Claro que seria um político! Aos poucos, então, ele esquece da sua missão de redenção e começa a fazer o que quer: governar a seu bel prazer. Mas claro que não duraria para sempre.

"O amor por aquela menina poderia redimi-lo? Nunca descobriria as respostas." (2016, BAPTISTA)

***

Antes de tudo, quero deixar bem claro que não sou uma pessoa cristã, não tenho religião, muito menos um posicionamento definido em relação à mitologia cristã, não me julgo apta a avaliar a pesquisa que o autor fez, pois, apesar de querer estudar mais afundo a bíblia, nunca a li em sua integralidade. Porém, acredito que um cristão não encontrará nenhuma blasfêmia ou ofensa a sua religião nesse livro.

A narração alterna entre as cenas na Terra e cenas no céu e inferno e devo dizer que Fabio está de parabéns, pois a cada mudança de cenário era como se eu estivesse me transportando de um lugar ao outro. Até o vocabulário mudava, era como estar em um filme. Além disso, o protagonista é muito carismático (Oi? Sim, me encantei com o diabo de Fabio Baptista), extremamente irônico e, incrivelmente, torna-se mais "humano" ao conviver com os seres que outrora foram o motivo de sua ira e insatisfação com o Pai.

Apesar de ter um tom irônico e até mesmo debochado, a narrativa tem também uma mensagem que transcende a linguagem e que me proporcionou algumas reflexões que acho importante compartilhar com vocês. Uma delas é sobre o comportamento humano, sobre o que é inerente, o amor e o ódio, e como esses dois sentimentos estão tão entrelaçados.

"O amor só vale quando é a opção que se escolhe em meio a infinitas outras possibilidades." (2016, BAPTISTA)

Além disso, outra coisa que o livro me fez pensar foi no livre arbítrio. Será que realmente o exercemos ou somos influenciados pelo meio e pessoas a nossa volta? Nossas atitudes definem quem somos ou existe, mesmo nas pessoas aparentemente ruins, uma essência primeira que é boa e cândida? Bom, são perguntas difíceis que requerem respostas complexas, não ouso arriscar responder.

Antes de me despedir, gostaria de falar sobre o final do livro (sem spoilers, claro), sobre a minha expectativa e o que eu encontrei. Confesso que a dúvida se haveria a bendita redenção ou não não foi algo que me deixou curiosa, mas, no fundo, eu ainda esperava que a narrativa me surpreendesse no final, o que não aconteceu. Admito que eu ainda tinha esperanças de me surpreender com um final ousado, inesperado. Mas isso não desmerece a escrita do autor, pelo contrário, gostei muito do livro e recomendo a todos que curtem enredos sobre anjos e demônios.

"Quem salva uma alma, salva o mundo inteiro." (2016, BAPTISTA)

Beijinhos, Hel.

BAPTISTA, Fabio. A redenção do anjo caído. FSB books. 2016

Leituras de janeiro

Oi, pessoas lindas e letradas. Tudo bem?
Finalmente voltei com os posts de leituras do mês, depois de muito tempo em que não pude me dedicar com mais afinco à leitura, comecei 2017 com tudo e muito empolgada para mostrar para vocês o que eu li:

Foram cinco leituras, ao todo. Uma delas não está na imagem pois também foi feita no Kindle. 


A REDENÇÃO DO ANJO CAÍDO - FÁBIO BAPTISTA: a primeira leitura feita no mês foi de um nacional, uma narrativa sobre anjos e demônios que me surpreendeu demais!

CADA SEGREDO - LAURA LIPPMAN: esse foi um livro que eu só li porque estava parado há muito tempo, desde o meu aniversário, em abril, na minha estante. Para minha surpresa, foi uma leitura bem envolvente.

FAHRENHEIT 451 - RAY BRADBURY: lido no kindle, Fahrenheit 451 estava na minha lista há muito tempo, já que eu amo distopias clássicas. Gostei muito e me causou profundas reflexões.

ENCLAUSURADO - IAN MCEWAN:Enclausurado foi enviado pela Companhia das Letras e uma leitura muito aguardada. Assim que o recebi já comecei a ler no mesmo dia. Talvez pelo fato de eu estar com a expectativa tão alta, não tenha me deixado uma impressão tão impactante assim. Mesmo assim, gostei razoavelmente.

ANNA KARIÊNINA - LIEV TOSLTÓI: passei praticamente o mês todo lendo esse livro. Iniciei a leitura no dia 4 e finalizei nos 45 do segundo tempo do dia 31. Ufa! Ou seja, enquanto lia todos os livros citados acima, concomitantemente, eu lia o Tolstói. Parecia que nunca teria fim. Mas quando terminou eu fiquei com um vazio estranho. Em suma, gostei muito.

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Gente, nenhum desses livros ainda tem resenha postada aqui, mas planejo fazer isso em breve. Então, se tem algum livro que vocês queiram saber o que eu achei, é só ficar de olho aqui no blog e nas redes sociais.

E vocês, leram o que em janeiro?
Beijinhos, Hel.