O apanhador no campo de centeio - J. D. Salinger

11:00

“- E a vida é um jogo, meu filho, a vida é um jogo que se tem de disputar de acordo com as regras.
- Sim, senhor, sei que é. Eu sei.
Jogo uma ova. Bom jogo esse. Se a gente está do lado dos bacanas, aí sim, é um jogo – concordo plenamente. Mas se a gente está do outro lado, onde não tem nenhum cobrão, então que jogo é esse? Qual jogo, qual nada.” (p. 14)

Olá, leitores! Hoje eu venho mais uma vez com uma resenha de um livro que entrou para os meus favoritos da vida (mais um, Helena?), sim, mais um livro que eu terminei de ler e tenho vontade de guardar num potinho. O apanhador no campo de centeio é um romance de formação escrito pelo Nova iorquino Jerome David Salinger e publicado em 1951, um clássico. Vocês já devem ter ouvido falar, não? Eu sim, mas confesso que tinha formado uma ideia completamente diferente do enredo do livro na minha cabeça, muito diferente mesmo. Eu achava que o livro era muito difícil e que teria um vocabulário rebuscado, que nada! O narrador é um adolescente e a linguagem é a mais simples possível, cheia de gírias e até palavrões!

***

O protagonista é Holden Caulfield, um adolescente de 16 anos que reclama de tudo e de todos e que narra um fim de semana de sua vida, logo após ter sido expulso (de novo) do internato onde estudava, o Pencey. Ao invés de esperar seus pais o buscar na quarta-feira, ele decide ir para casa sozinho, no sábado, e, então, passa por algumas confusões no caminho. 

“Estou sempre dizendo ‘Muito prazer em conhecê-los’ para alguém que não tenho nenhum prazer em conhecer. Mas a gente tem que fazer essas coisas para seguir vivendo.” (p. 89)

O enredo do livro, aqui neste caso, é o que menos importa. O apanhador no campo de centeio é um daqueles livros em que a beleza está fora dele, nas reflexões que ele proporciona ao leitor. E o leitor que não perceber essas sutilezas por trás das "reclamações" de Holden pode cometer o erro de classificar o livro como "chato". É fato que Holden critica muito os adultos e pessoas que o cercam, ele os acha hipócritas e falsos, acha que vivem de aparências e que não vivem de acordo com o que gostariam de realmente ser. Isso pode ser interpretado como o medo que Holden tem de se tornar como eles quando se tornar adulto, eu gosto de comparar Holden a Peter Pan, uma criança que tem medo de crescer.

“Há coisas que deviam ficar do jeito que estão. A gente devia poder enfiá-las num daqueles mostruários enormes de vidro e deixá-las em paz. Sei que isso não é possível, mas é uma pena que não seja.” (p. 121)

E é engraçado que as únicas pessoas que Holden se refere com carinho durante a estória são crianças, seus irmãos: Allie, que faleceu, e Phoebe, sua irmãzinha mais nova. E é durante um diálogo que ele tem com a irmã que ele faz uma das revelações mais belas do livro, mais ou menos o que ele quer ser "quando crescer":

"[...] fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer." (p. 168)

E essa é a metáfora do livro, linda, e triste. Para Holden, a infância é um campo de centeio, onde as crianças brincam felizes e livres. Ele é o único adulto ali por perto, e sua função é impedir que as crianças caiam no abismo, o abismo simboliza a vida adulta. Mas claro, essa é a minha interpretação, cada livro se mostra novo nas mãos de um novo leitor, e espero que vocês possam ler O apanhador no campo de centeio, não pensem que eu estraguei a leitura por "explicar" o título. Como eu falei, a beleza deste livro está fora dele, na bagagem de cada leitor, não só na bagagem literária, como também de vivência.
O melancólico Holden Caulfiled e seu cigarro e chapéu inseparáveis.
***
Quando esse livro foi lançado, houve bastante polêmica, não só por Holden ser um adolescente petulante, que fala sobre sexo, garotas, fuma o tempo todo e fala muitos palavrões, mas pela ousadia de Salinger ao se expor num relato de adolescente quase autobiográfico. O livro foi um best-seller e Salinger se tornou recluso e recusou-se a ficar sob os holofotes que a fama do livro o colocaram. É compreensível, já que ele deu voz a toda uma geração que, assim como Holden, tinha inseguranças e dúvidas. Além disso, criticou a classe burguesa americana e o modo como viviam nos anos 50, pelo ponto de vista de um adolescente rebelde e desorientado, que procura respostas e que não as encontra. Apesar da referência à época e aos costumes, O apanhador no campo de centeio se mantém atemporal, e apesar de os adolescentes se verem representados na mídia com muito mais frequência nos dias de hoje, a leitura desse livro ainda encanta e traz reflexões muito fascinantes. Se eu indico essa leitura? Mas é óbvio! Eu não sei porque esse livro ficou tanto tempo parado na minha estante e só fui lê-lo para um trabalho da universidade, que vergonha.
Foi impossível ler esse livro e não comparar Holden a dois personagens que também conheci recentemente: Paloma de A elegância do ouriço e Sinclair de Demian. São três personagens adolescentes, que buscam autoconhecimento e que têm pensamentos profundos e críticos em relação ao mundo e pessoas que os cercam. Paloma e Holden têm medo de se tornarem adultos hipócritas, acho que os dois poderiam ter sido bons amigos. Já Sinclair, assim como Holden, está nessa busca por respostas que por vezes não são satisfatórias, mas não sei se eles seriam amigos, é bem capaz de Holden o achar "phony". E em comparação com Demian que eu acabei dando 4 estrelas para O apanhador no campo de centeio no Skoob, embora isso não tenha impedido de eu o adicionar aos meus favoritos, pode parecer estranho, mas é isso!

"Bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler e fica querendo ser um grande amigo do autor, para se poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer." (p. 23)

Bem que eu queria ter sido amiga do J. D. Salinger...

Beijinhos, Hel.

SALINGER, J. D.. O apanhador no campo de centeio. (Tradução de Álvaro Alencar, Antônio Rocha e Jório Dauster). 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora do autor, 1999. 208 p.

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10 comentários

  1. Olá Hel :)
    Helena e seus clássicos! Você tem me ajudado a quebrar esse paradigma quanto a essas obras! Acabei de ler "A Guerra dos Mundos" (deve sair resenha essa semana), tenho aqui para ler "Drácula" do Bram Stoker, e você foi fator influente para que eu escolhesse ter esses dois livros, obrigado Hel! Ótima resenha, como de costume... beijos

    www.blogleituravirtual.com/

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    1. Oi, Gustavo!
      Que bom que eu tenho te inserido, ou pelo menos interessado, no universo dos clássicos, fico muito orgulhosa de você :D
      Eu adorei tua resenha de "A Guerra dos Mundos".
      Obrigada, bjs!

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  2. Olá Hel! Já li várias resenhas sobre este livro e ninguém tinha explicado ainda o sentido do título. É muito lindo e poético, adorei sua resenha. Abraço!

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    1. Oi, Maria. Que bom que você gostou da resenha.
      Eu fiquei meio receosa de explicar o título porque temos muitas pessoas spoilerfóbicas e que acham que isso seria explicar o livro todo, quando na verdade é só a MINHA interpretação.
      Abraço, <3

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  3. Olá! *-*
    Sério, eu tinha essa mesma visão do livro; de que seria rebuscado e mais denso. XD
    Interessante ver que ele é tão distinto do que pensei. Gostei das citações e da tua resenha!
    Essa comparação com a Paloma e o Sinclair me faz querer ainda mais ler "O apanhador no campo de centeio"; curiosa~
    Essa parte da crítica e do autoconhecimento me interessam bastante.
    Enfim, parece um ótimo livro! ^^

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    1. Oi, Paula!
      É legal quando o livro não é o que esperamos, mas, mesmo assim, nos surpreende, não é?
      Eu imaginei que você se interessaria pelo livro depois dessa comparação, mas não digo que são livros parecidos, somente fiz a comparação pois foram leituras que fiz uma atrás da outra e que acabaram por me provocar reflexões muito parecidas. Talvez pelo fato de os três protagonistas serem jovens e muito interessados na busca de autoconhecimento.

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  4. Olá, Hel. Fico sempre feliz de ver que tem resenha nova por aqui!
    Eu já tinha ouvido falar desse livro algumas vezes, mas não fazia ideia do que se tratava, até ver uma resenha em algum canal no YouTube, e então fiquei fascinada o saber sobre essas características do personagem, sobre como ele não se conforma ter de crescer. Acho que me identifico um pouco com ele, sabe? O "mundo dos adultos" é muito assustador.
    Sua resenha reforçou minha impressão de que é um livro bem sensível e profundo, digno de ser lido várias vezes ao longo da vida. E eu amei esse trecho que você citou sobre os livros que dão vontade da gente ser amigo do autor! Alguns são mesmo desse jeito <3
    Ótima resenha!

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  5. Adorei sua resenha!! Eu percebi que o Holden "paga" de durão, mas na verdade é um rapaz muito sensível. Ainda não cheguei na metáfora do apanhador, mas estou encantada com a sua preocupação com os patos e em como ele critica hipocrisias e as falsidades. Ele talvez seja um "rebelde sem causa", embora ele tenha alguma sim. Adorei a sua comparação com A elegância do Ouriço e Demien.
    Pena que não estou conseguindo ler tanto assim :/

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  6. Oi, Helena! Ótima resenha.
    O Apanhador no Campo de Centeio é maravilhoso. Um livro que vai continuar ressoando durante anos e têm inspirado muitas obras contemporâneas de young-adult.
    Abraços
    Blog do Ben Oliveira

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  7. Eu tenho certeza que vou adorar esse livro porque basicamente eu sou o Holden! E, indiretamente, todos nós somos o Holden. Eu reclama muito mesmo de tudo e todos, pareço velha carracunda, mas e quem não critica o que está em volta, o que não apoia? E na posição dele de não querer se tornar um adulto como aqueles, se recusar a crescer, é compreensível, só o jeito dele de dizer isso que é diferente. Adorei muito sua resenha, ficou super esclarecedora e de fato transmitiu a beleza contida no livro que, aliás, quero muito ler agora!

    xx Carol
    http://caverna-literaria.blogspot.com.br/

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