A cor púrpura - Alice Walker

10:30

"Eu acho que Deus deve ficar fora de si se você passa pela cor púrpura num campo qualquer e nem repara." (WALKER, p. 231)

A cor púrpura é um livro sobre racismo, preconceito, machismo. Sobre resistir à adversidade por meio da fé em algo superior, sobre descobertas e sobre ensinamentos que a vida nos dá. A protagonista é Celie; jovem, negra e pobre, ela sofre abusos do padrasto e acaba gerando dois filhos dessa relação, que são retirados dela ainda pequenos. A mãe morre quando ela ainda é muito jovem e ela e a irmã, Nettie, ficam sob os cuidados do padrasto.
Com sua escrita simplória, Celie vai escrevendo cartas para Deus, pois sente que ele é o único que pode ouvi-la.
Foto: arquivo pessoal
Para piorar, seu padrasto a força a se casar com Sinhô____* e ela teme pela irmã Nettie, que vai ficar sob os cuidados dele. Contudo, ela não ousa desobedecer e se casa, deixando a irmã que, por sua vez, foge de casa.

"Eu vejo ele olhando pra minha irmãzinha. Ela tá cum medo. Mas eu falei que vou tomar conta dela."(WALKER, p. 13)

Celie apanha do marido, o Sinhô____, que na verdade queria mesmo era ter casado com Nettie. Ele bate nela, a trata como um cachorro e a faz cuidar de seus filhos mal educados de seu casamento anterior. A situação de Celie não poderia ser pior. Além disso, ela sofre, pois o tempo passa e ela nunca mais tem notícias da irmã Nettie, seu único elo no mundo, e já acha que ela está morta.

Tudo muda de cena quando Shug, uma antiga paixão de Sinhô____, aparece na casa, doente. Celie se encanta com ela e as duas iniciam uma amizade muito linda, cuidando uma da outra. Aqui, abro um parêntese para dizer que o que Shug faz com Celie nada mais é que um empoderamento, ela incentiva Celie a se impor diante do marido abusivo e a não aceitar os maus tratos que Sinhô____ a aflige.

Foto: arquivo pessoal
"Querido Deus" é assim que Celie inicia a maioria de suas cartas, até que começa a escrever para sua irmã
 Certo dia, Shug conta para Celie que Sinhô____ esconde as cartas de Nettie dentro de um baú, e isso, ao mesmo tempo que reaviva as esperanças dela, a deixa com um ódio mortal de seu marido. A partir daí, a narrativa se intercala entre a leitura das cartas de Nettie e Celie escrevendo cartas para a irmã, embora elas nunca se correspondessem de fato, já que nenhuma recebia a carta da outra. 
Celie descobre que a irmã se tornou missionária e está na África! E por meio das cartas conta muitas coisas da vida como missionária e das dificuldades culturais que enfrenta.

"Só o céu acima de nossas cabeças é o que temos em comum. Eu olho muitas vezes para ele como se, de alguma maneira, refletida na sua imensidão, um dia eu me encontrarei olhando nos seus olhos." (WALKER, p. 223)

No decorrer da narrativa, percebe-se que Celie evolui ao passo que se liberta de algumas amarras, como o Sinhô, que era extremamente violento, e passa a morar com Shug, onde iniciam um negócio próspero. 

***

Alice Walker conseguir abordar a temática do racismo por meio de um livro tão simples, porém não menos genial, pelo ponto de vista de uma mulher, de um modo tão sensível e comovente, ilustra bem que esse livro não é um clássico da literatura à toa. Ler esse livro pela segunda vez me fez perceber o quanto algumas leituras adquirem uma ressignificação com o passar do tempo e conforme amadurecemos como seres humanos. O drama de Celie, embora se passe no século passado, ainda acontece nos dias atuais. Se ser mulher e negra, atualmente, não é fácil, imaginem num período entre guerras em que o machismo imperava e as mulheres tinham ainda menos direitos do que atualmente? Imaginem a pobre Celie, abusada sexualmente, sufocada e humilhada dentro da própria casa, destituída de amigos e familiares. Apesar de tudo, ela encontra em Deus um refúgio onde se sente segura, onde não há julgamentos. Ela reflete sobre esse Deus, sobre sua representação, e chega à conclusão de que Deus está em tudo e está em nós, e que ele não é esse senhor grande e velhinho de cabelos grisalhos e que o fato de ele ser representado como um homem BRANCO só mostra o preconceito que está arraigado no coração e mente dos homens.

Foto: arquivo pessoal
Fiquei encantada com essa edição da editora José Olympio, impecável

A escrita, com fortes traços da oralidade, só torna a narrativa mais intimista e verossímil, fazendo com que o leitor consiga imaginar a voz da narradora e se sinta mais próximo dos acontecimentos narrados, torcendo por Celie e vibrando a cada passo que ela dá em direção à libertação. Apesar da linguagem simples, "A cor púrpura" não perde em beleza e comove o leitor justamente pela ingenuidade da protagonista. É um livro para se emocionar, para refletir e, acima de tudo, para tocar na alma do leitor.

"O homem corrompe tudo. [...] Ele tá na sua cumida, na sua cabeça, e o tempo todo no rádio. Ele tenta fazer você pensar que ele tá em todo lugar. E quando você pensa que ele tá em todo lugar, você começa a pesar que ele é Deus. Mas ele num é." (WALKER, p. 232)

Beijinhos, Hel.


WALKER, Alice. A cor púrpura. 10ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. 335 p. Tradução de Betúlia Machado, Maria José Silveira e Peg Bodelson.

*Os nomes do padrasto e do marido, Celie omite. Acredito que ela faça isso por motivos sentimentais, por rancor, embora eu não possa precisar após a minha análise.

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31 comentários

  1. Olá Helena,
    Eu já ouvi falar muito desse livro, mas não tinha a noção do quão forte, profundo e instigante ele é. Parabéns pela resenha, está impecável. Preciso ler mais clássicos... bjo!

    http://www.blogleituravirtual.com/

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    1. Olá, Gustavo!
      Então, pelo título e pela capa, não dá para imaginar o teor crítico mesmo, mas se você ler, já vai se deparar com um relato de estupro já na primeira página, logo, qualquer conceito sobre o livro já é desconstruído!

      É um livro maravilhoso, recomendo demais.

      Muito obrigada, bjs!

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  2. Oi Helena.... é verdade o q vc falou... se agora é difícil, imagina antes... eu não li este livro, mas assisti ao filme... e sofri bastante com a personagem... imagina no livro q deve ser bem mais detalhado....
    bjs!

    Belas terapias

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    1. Laila, eu não vi o filme, mas quero muito! O livro é bem triste, porque a Celie se resigna ao tratamento que ela recebe; ela acha que é normal apanhar, ela acha que é normal - e natural - que os homens sejam autoritários e covardes, afinal, são homens. E isso reflete muito a sociedade em que ela estava inserida. Muito interessante pensar sobre isso!

      Sofri muito com a protagonista também.

      Bjs!

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  3. Olá, Helena.
    O livro parece ser muito bom, principalmente por tratar de temas como racismo e machismo. Tendo uma narrativa focada em uma personagem feminina e que tanto sofreu, melhor ainda.
    Acredito que eu vá gostar da obra.

    Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de reinauguração. Serão quatro vencedores!

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    1. Olá!

      Espero que você possa ler e que goste. O livro é cheio de temas bem polêmicos, mas como a narradora é muito alienada, marginalizada, o tom é leve, pois ela não enxerga direito o que acontece com ela, não com olhar crítico, isso faz com que o livro seja muito bom, pois reflete até que ponto aceitamos tratamentos abusivos só por já estarem tão cristalizados em nossas vidas.

      ^^

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  4. Oie...
    Conhecia esse livro bem por alto, não tinha noção do quão forte e bom ele realmente é...
    Adorei sua resenha e fiquei louca para ler.
    Beijos

    http://coisasdediane.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Diane!

      Que bom saber que você se interessou, e que bom que foi por causa da resenha. Eu realmente não vejo muitas pessoas comentarem esse livro, mas ele é bem necessário, pelos temas e pelas reflexões que possibilita.

      Beijos!

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  5. Que história triste! Alguns livros nos incomodam, como se nos tirasse da comodidade , eles são tristes mas são necessários. E este parece ser assim. ;)

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    1. É sim, muito triste, mas é algo que acontecia e, infelizmente, ainda acontece: mulheres sendo diminuídas simplesmente por serem mulheres, a agressão por parte de maridos violentos, a discriminação social aliada à discriminação racial, triste demais por não se tratar só de ficção.

      Beijos!

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  6. Oi!!!
    Me interessei pelos temas tratados no livro, nunca tinha lido
    nenhuma resenha dele..
    Só admirava a capa, por ter esses detalhes rosas. kkkkk
    Abraços.

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    1. Oi, Flávia!
      Engraçado que percebo que a maioria das pessoas nem sonhava que esse livro tratasse de tais temas, tão fortes.
      Me sinto feliz por propagar esse livro tão maravilhoso - e nessa linda edição da José Olympio!

      Abraços!

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  7. Oi, Hel.
    Resenha incrível!
    Estou com 60% da leitura concluída e sofrendo junto com Cellie.
    Não diria que Sinhô trata Cellie como um cachorro, só porque essas expressões me ferem. Ele a trata mal, como algumas pessoas tratam outras pessoas. Aliás, tratar mal é pouco perto de tudo o que ele faz com ela.
    De fato, a amizade da Cellie com a Shug é linda! Acredito ser um dos muitos pontos bonitos da história, uma amizade nascendo em meio a uma situação terrível.
    Suas reflexões sobre o livro me deixaram com o coração na mão. Aliás, a leitura quase sempre me faz sentir muita angústia.
    Estou muito feliz pelo clube do livro, por ele ter me proporcionado essa leitura que com certeza, será inesquecível!
    Beijos - Historiar

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    1. Olá, Thami!

      Reconheço que fui infeliz na minha comparação, até peço desculpas, mas sabe como é, discursos reproduzidos automaticamente... preciso para com alguns deles, obrigada pelo alerta!

      A amizade entre essas duas mulheres é o estopim de muita coisa linda! As duas encontram uma na outra refúgio contra as opressões que sofreram e isso é muito tocante durante a narrativa.

      Fico feliz que você tenha gostado da leitura desse mês! Eu já sabia que era um livro maravilhoso pois já tinha lido antes, mas esse liro é do tipo que precisamos revisitar sempre, pois é lindo e reflexivo!

      Beijos!

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    2. Concluí a leitura e estou sem palavras. Livro incrível, leitura marcante. ❤

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  8. São tantos temas tão discutíveis nesse livro que acho difícil alguém não se interessar. Ele aparenta ser bem forte, sem perder a simplicidade. Sua resenha expôs bem isso. Curto bastante livros de gênero e teor parecido, portanto esse já entrou pra minha lista de leitura.

    Visite: Cantina do Livro

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    1. Carlos, concordo! Tem temas que gerariam discussões muito interessantes, posso afirmar porque o discuti no clube do livro que participo e nos empolgamos tanto que ultrapassamos o horário, haha.

      Eu também tenho uma propensão a ler dramas e livros que tratem de temas assim, espero que você tenha a oportunidade de ler!

      ^^

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  9. Já tinha ouvido falar do livro mas não conhecia muito e depois de sua resenha fiquei com muita vontade de ler, gostei dos temas tratados. E a capa do livro é linda.

    Beijos:*
    www.escritasnachuva.com

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    1. Oi, Dani. São temas muito chamativos mesmo, vale a pena a leitura demais!

      A capa é só mais um detalhe da perfeição que é essa obra!

      Beijos :P

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  10. Adoro seu estilo de resenha! E elas são sempre muito boas.

    O que dizer sobre esse livro, né? É de uma temática forte, é tocante, é realmente genial.

    Mas percebi que na sua edição (linda, por sinal) a moça que chega depois se chama Shung e na minha edição (mais antiga, da biblioteca da Unesc) o nome da moça é Doci Avery! Que estranho!

    Beijoss!

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    1. Oi, Júlia. Muito obrigada ♥ fico feliz que você também tenha gostado do livro!
      Então, pelo que eu pesquisei, Shug é apelido para Sugar, acho que o tradutor da edição que você leu optou por traduzir o nome logo, sugar=doce. Interessante olhar as variações da tradução, não é!?

      Beijinhos!

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  11. Oi Helena, tudo bem?
    Nunca tinha visto esse livro.
    Adorei ele.
    E adorei sua resenha.
    Beijos.
    @saymybook
    http://saymybook.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Denise, tudo e contigo?

      Menina, cê nunca viu esse livro??? Não sabe o que tá perdendo!

      Obrigada, que bom que gostou!

      Beijos!

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  12. Olá Hel!
    Ainnn quero muito ler esse livro! Essa edição ficou muito bonita. Parece ser uma obra triste.
    Bjs

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    1. Oi, Thalita! Leia, leia! Você vai amar, é um livro tão único que é impossível não desenvolver uma relação com ele, mas é triste sim, a protagonista Celie passa por muitas situações que deixam o leitor de cabelo e pé e com muita raiva.

      Bjs!

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  13. Helena, que resenha maravilhosa! Já conhecia de título, inclusive tenho o filme numa lista que venho tentando assistir.Mas JAMAIS imaginaria que se trata de uma história tão profunda e bonita, além de triste. Quero ler em breve!
    Beijos!
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    1. Lívia, muito obrigada! Esse livro é tão lindo e singular, que pela capa ninguém pode imaginar os ensinamentos e reflexões que ele possui, é sim muito triste, mas é por isso que é tão tocante e comove tanto o leitor!
      Leia, sim!

      Beijos!

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  14. Helll,
    Como te falei no comentário do "Escrevendo sem medo" de um ano para cá venho procurando mais obras sobre o feminismo... E um pouco antes dele, comecei a ver e pesquisar sobre a cultura afro, afro-brasileira e afro-americana tbm e tenho aprendido tantooo, me revoltado tanto... E esse livro me chamou atenção, vi um post sobre o filme e lembrei q tinha visto sua resenha (aqui ou no skoob) e me encantei, preciso ler para sentir tudo que você descreveu, me reconhecer e entender a luta que envolve toda essa história.

    Sua resenha está maravilinda!! Como sempre!! =D

    Parabéns!

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    1. Dê!!!
      Que linda você, também tenho procurado ler mais sobre feminismo e obras que abarquem essas questões, assim como obras que falem de mulheres diferentes de mim, como é esse caso, uma mulher negra, eu acho isso muito importante para exercitar a empatia <3

      Você precisa ler esse livro, não tenho dúvidas de que você vai amar!

      Beijos e obrigada pelas palavras!

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  15. Eu preciso ler novamente esse livro. É um clássico. A autora expõe perfeitamente uma sociedade machista e preconceituosa, mas também nos mostra que a virada pode acontecer sob qualquer aspecto. Excelente sua resenha!

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    1. Oi, Tom! Eu reli esse livro e, como eu disse, foi uma experiência totalmente nova e diferente, muito reveladora. Na primeira vez que eu li era muito imatura e nem um pouco sensível aos temas pesados que a autora traz nessa obra. Leia sim!

      Muito obrigada!

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