Contos de amor, de loucura e de morte - Horacio Quiroga

10:00

"Se quiser expressar com exatidão a seguinte circunstância: "Do rio soprava o vento frio", não existe em língua humana mais palavras que essa para expressá-la. Quando for dono de suas palavras, não se preocupe com observar se elas são consonantes ou assonantes entre si." (Horacio Quiroga)

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O trecho acima, que se encontra na introdução escrita por John O´Kuinghttons para a edição de Contos de amor, de loucura e de morte, me passa exatamente a impressão que tive ao ler os escritos de Quiroga: simplicidade e maestria. O livro de contos é nem mais nem menos do que o próprio título sugere, alguns contos versam sobre amor, como o da abertura, Uma estação de amor, outros falam de loucura, a exemplo O cão raivoso, e, a maioria, fala sobre a morte.


Acredito que, antes de partir para os contos, seja importante falar da biografia de Quiroga, que, ao estilo de Poe, também teve uma trajetória lúgubre e trágica: a morte do pai, o suicídio do padrasto, a morte de dois irmãos pela febre tifoide, o suicídio por envenenamento da primeira esposa... Por fim, e depois de se descobrir em estado terminal, Quiroga ingeriu uma dose letal de cianureto, à meia noite de 19 de fevereiro de 1937. Uma vida tão nefasta não poderia deixar de ter algum reflexo em sua escrita:

"Não existe obra de arte literária que não seja autobiográfica: o autor se revela na escolha do tema, nos espaços, nos nomes, nos julgamentos, nas conclusões, na preferência por este ou aquele verbo, adjetivo ou sintaxe." (p. 9)

E o próprio autor admite a inspiração em Poe, assim como Maupassant, Kipling, Tcheckov. Para os fãs do primeiro, indico fortemente a leitura dos contos de Quiroga, se assemelham muito ao estilo dele ao tratar de modo simples e, diria até trivial, os horrores do mundo e do ser humano.

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Ao me propor a análise de um livro de contos, assumo a responsabilidade de informar que, de modo algum, pretendo falar de todas as estórias de Contos de amor, de loucura e de morte, que, ao todo, são quinze. Assim sendo, resolvi falar de um modo geral acerca do estilo narrativo do autor e, concomitantemente, estender-me um pouco mais detalhadamente sobre os três contos que mais me causaram impacto.

Como dito anteriormente, Quiroga possui uma escrita simples e precisa; sem floreios ou uso de termos rebuscados. Isso torna a leitura fluida e, somado à brevidade de cada conto, faz com que o leitor sinta a leitura voar. Ademais, os narradores, em sua maioria em primeira pessoa, são, a meu ver, o ponto alto da escrita e isso se apresenta de forma bem exemplar em O cão raivoso, conto cujo protagonista, ao ser mordido por um cão com raiva, passa incólume pela temida quarentena, contudo, se irrita profundamente com a esposa e a mãe que o vigiam o tempo todo, temendo que ele manifeste a raiva, fazendo com que ele, literalmente, enlouqueça. A ambientação desse conto também merece comentário, já que, com o surto de cães raivosos, a família se torna a mais vulnerável do vilarejo, dado que a casa deles está inacabada e sem as portas. Isso faz com que o leitor sinta o pavor que assola a família. O desfecho do conto vai, progressivamente, mostrando os estágios pelos quais o protagonista vai passando até seu momento derradeiro.

"Havia um motivo real para esse temor. Aqui, como em todo lugar, onde as pessoas pobres têm muito mais cachorros do que os que conseguem manter, todas as noites as casas são visitadas por cães famintos, cujos perigos do ofício - um tiro ou uma pedrada - criaram neles um verdadeiro comportamento de feras. Avançam lentamente, agachados, com os músculos frouxos. Nunca se sente sua passagem." (p. 122)

Alguns dos contos são narrados por animais ou com foco neles, como A insolação, O arame farpado e Yaguaí.

Mas se me perguntarem qual o conto que mais "gostei", diria que são dois: A galinha degolada e O travesseiro de plumas, por me causarem um horror sem tamanho ao final da leitura.

Em A galinha degolada conhecemos um jovem casal que anseia muito por ter filhos. Quando nasce o primeiro filho, aparentemente perfeito, o casal logo vê suas esperanças afundadas depois que o menino passa por convulsões e fica "[...] profundamente idiota, babão, molengão [...]" (p. 99). Tentam, então, um segundo filho, e o mesmo acontece. Um terceiro, um quarto, e a "idiotice" sempre aniquilando as esperanças do casal.

"Ele tinha vinte e oito e ela vinte e dois, e toda sua apaixonada ternura não conseguia criar um átomo sequer de vida normal. Já não pediam beleza e inteligência, como no primogênito; queriam apenas um filho, um filho como todos os outros!" (p. 100)

Desse modo, quando o quinto filho nasce, uma menina, e com perfeita saúde mental, o casal se vê realizado e deixam praticamente abandonados os quatro filhos preteridos. Sobre o final desse conto, que acredito ser o ponto alto e culminante de horror da narração, não sei nem comentar sobre de tão chocante: é brutal, bestial, frio e "desumano", acho que esta última palavra descreve bem a cena final, que não vou contar para que vocês descubram.

Em O travesseiro de plumas, a protagonista é uma jovem recém-casada, Alicia. Infeliz e com as fantasias do casamento perfeito arruinadas, devido ao comportamento rude de seu marido, ela definha cada dia mais depois de uma gripe que a abateu nos primeiros meses do matrimônio. Impossibilitada de se levantar da cama, ela caminha para a morte certa, e seu marido se vê impotente diante de tão inesperado desvanecimento. Por fim, Alicia morre, e a causa, relacionada ao travesseiro de plumas no qual ela repousava a cabeça e que dá título ao conto, causa horror e repulsa no leitor mais frágil.

***

Seria redundante dizer que recomendo os contos de Quiroga para os admiradores de Poe, mas a verdade é que o estilo de narrar daquele é muito mais simples do que o deste. Quiroga descreve de forma natural e efetiva os acontecimentos, alguns normais ao nosso cotidiano e outros nem tanto. Muitos dos contos são ambientados no Uruguai, alguns na Argentina e até nas fronteiras com o Brasil, lugares provavelmente familiares ao escritor. A maioria dos contos me encantaram, outros achei um pouco monótonos. No geral, achei um bom compilado de contos e que cumprem com a promessa do título (isso se você não tem uma visão romântica e açucarada de amor). 

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Beijinhos, Hel.

QUIROGA, Horacio. Contos de amor, de loucura e de morte. São Paulo: Hedra, 2013. 256 p. Tradução e introdução de John Lionel O´Kuinghttons Rodríguez.

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10 comentários

  1. Oi de novo Hel,

    Tava louco aqui aguardando a sua resenha desse livro. Eu não conhecia esse autor e fiquei muito curioso quando vi esse livro. Concordo com você ao indicar essa leitura para os fãs do Poe. Apesar dos estilos serem diferentes, as premissas são parecidas. E que vida trágica o Quiroga tinha. Fiquei pasmo com toda essa tragedia. Assim que for possível eu comprarei este livro para ler. Parabéns pela resenha.

    Beijos

    Leonardo - Brainstorm

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    1. Olá, Leo. Que legal você curtir esse tipo de literatura. Quando comprar e ler me avisa para conversarmos sobre ;)
      A vida do Quiroga foi bem trágica, nem sei como ele encontrava ânimo para escrever, deve ser por isso que as estórias dele são tão mórbidas!

      Beijos

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  2. Olá! =)
    Desde que nos contasse sobre a vida do autor fiquei curiosa pelo livro, me parece realmente muito interessante, e trágico. Não sou muito fã de horror (e coisas do gênero), mas gostei de ter lido um livro do Poe, Histórias Extraordinárias. E, bem, se quem gosta das histórias de Poe pode gostar, acho que lerei esse livro do Quiroga. Adicionarei na lista de leituras~
    Aliás, adorei as citações! Muito interessantes. Quanto ao fato de que "Não existe obra de arte literária que não seja autobiográfica", faz muito sentido, até pelo fato de toda a construção sócio-histórica do indivíduo, interdiscursividade etc.
    Enfim, gostei da sua resenha! ^^

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    1. Olá, Paula.
      Acredito que você gostaria desses contos não pelo horror, mas sim pelas narrativas que eu sei que você é bem exigente e eu, particularmente, as achei muito boas, apesar de simples.

      As citações mais interessantes estão na introdução, de onde eu tirei essa que você citou. Eu concordo demais com isso de o autor colocar sua experiências em seus escritos.

      Obrigada!

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  3. Eu gosto muito de ler e de escrever (tenho um blog de contos). Mas, não conhecia esse autor. Fiquei bastante interessada pelo livro depois de ler a resenha.
    Bjos!

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    1. Olá, Cidália. Eu adoro contos, qual é o seu blog?
      Eu também não conhecia o autor, foi por meio da parceria com a editora que tive essa oportunidade.

      Beijos!

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  4. Não conhecia esse livro, mas esse ano li um livro de contos e comecei a gostar desse estilo de livros, fiquei com muita vontade de ler esse. Gostei muito da sua resenha.

    Beijos:*
    Escritas na Chuva

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    1. Oi, Dani. Eu sempre gostei de livros de contos, lembro que quando era pré-adolescente li um do Stephen King e fiquei apaixonada por esse tipo de narrativa.
      Nem eu conhecia o autor, não é muito famoso, apesar de ser aqui da América do Sul.

      Beijos! :)

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  5. Não conhecia este autor, sua resenha me despertou uma vontade enorme de conhecê-lo melhor! Amei s forma que vc escreve. Beijos

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    1. Oi, Mel. Que bom que você gostou e obrigada! Tento escrever da maneira mais sincera e clara possível, fico feliz que tenha te agradado!

      Beijos!

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