O planeta dos macacos - Pierre Boulle

Sabem aqueles livros que vocês não leram mas já sabem que vão amar? Aconteceu isso comigo no caso de "O planeta dos macacos". Apesar de ser de um gênero que não leio muito, ficção científica, eu tinha o feeling de que esse livro seria muito bom! Criei expectativas e... Não me decepcionei!
Esse livro é daqueles que tira o leitor da zona de conforto, nos faz divagar e nos envolve na leitura justamente pelo tema que ele traz. Vou explicar melhor.

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Foto: arquivo pessoal

Tudo começa no espaço. Um casal está em lua de mel e vê uma garrafa com um manuscrito se aproximando de sua nave; aí já começam as peculiaridades na estória. Eles param a nave e recolhem a garrafa curiosos para ler o conteúdo misterioso. Trata-se do relato do jornalista Ulysse Mérou. Nele, Ulysse narra sua chegada e de mais dois tripulantes da expedição a um planeta da galáxia de Betelgeuse ( já ouviram esse nome antes em "O guia do mochileiro das galáxias", lembram?), um planeta muitíssimo semelhante à Terra:

"Não restava dúvida de que nos encontrávamos num irmão gêmeo da nossa Terra. A vida existia. [...] Pelo que víramos antes da aterrizagem, sabíamos também que existia uma civilização." (Boulle, p. 26)

Foto: arquivo pessoal
A estória é dividida em quatro partes

Eles batizam o planeta com o nome Soror. O primeiro habitante que encontram, para seu espanto, é um ser humano, uma mulher, especificamente. Contudo, ela é estranha demais, apesar da beleza natural e estonteante, e Ulysse a batiza com o nome de Nova:

"Abriu a boca. [...] Achava que ela iria falar, gritar. Eu esperava um chamado. Estava preparado para a linguagem mais bárbara, mas não para aqueles sons estranhos que saíram de sua garganta; muito precisamente de sua garganta, pois nem a boca nem a língua tinham qualquer participação naquela espécie de miado ou grunhido agudo, que parecia mais uma vez traduzir o frenesi alegre de um animal." (Boulle, p. 31)

Logo, eles constatam que os seres humanos dali são selvagens, bestiais. Mas, então, quem haveria construído as casas e prédios, enfim, aquela civilização?
Poucos minutos depois de aterrizarem e de terem sua nave e roupas destruídas pelos humanos selvagens, os três se veem em meio a uma caçada em que os homens são a caça e - pasmem - os macacos são os caçadores:

"Em vão repeti para mim mesmo que estava enlouquecendo, afinal não restava mais nenhuma dúvida quanto à sua espécie. Mas encontrar um gorila no planeta Soror não era a principal extravagância do episódio. Ela residia para mim no fato de aquele macaco estar corretamente vestido, como um homem dos nossos, e principalmente na desenvoltura com que usava suas roupas. Essa naturalidade impressionou-me acima de tudo. Assim que avistei o animal, ficou evidente para mim que ele não estava de forma alguma fantasiado." (Boulle, p. 46)

Foto: arquivo pessoal
A edição da Aleph tá muito linda, com essas laterais arredondadas parecendo um moleskine

Mal tendo tempo de assimilar toda a situação, Ulysse é capturado pelos macacos e levado para um laboratório onde se realizam testes, muito parecidos ou iguais aos testes que são feitos com animais - inclusive macacos - aqui na Terra. Ele se vê em uma situação invertida; agora ele é tratado como inferior e os macacos é que dominam. Sem compreender o idioma dos macacos, ele se vê numa situação complicadíssima ao tentar provar que é tão racional quanto eles.

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Que livro agoniante! O que falar mais? Amei? Adorei? Achei tudo??? Sem brincadeiras agora, que livro F***! A narrativa é tão simples que eu li em algumas horas apesar de o livro ter mais de 200 páginas. E essa edição da Aleph - linda, diga-se de passagem - ainda vem com uma nota à edição brasileira, uma entrevista de 1972 com o próprio Boulle e um posfácio com uma análise maravilhosa do livro! 
Uma temática que o livro trouxe e que me tocou profundamente foi a inversão de papéis; há uma cena em que Ulysse tem acesso a uma sala no laboratório onde são feitos testes em humanos e ele fica extremamente horrorizado. O que se constata é que isso acontece todos os dias aqui em nosso planeta e, como não nos atinge, já que somos seres racionais e - teoricamente - superiores, não nos damos conta da crueldade desses testes. Mas só quando o protagonista se vê nessa situação de servidão é que ele percebe a gravidade do fato. A questão que isso nos incute é: temos o direito de explorar os animais só porque somos racionais? Não! O que nos difere é só a racionalidade, sofrimento e dor, todos os animais sentem. E essa questão é pontuada muito sutilmente por Boulle, embora cause uma sensação das mais desconfortáveis no leitor.

Foto: arquivo pessoal

Durante uma parte da narrativa, acompanhamos os esforços do protagonista para tentar provar que não é um "animal" e tentar se encaixar naquela sociedade tão singular. Só de pensar, hipoteticamente, em se por no lugar de Ulysse, já dá uma aflição. 
E, além de tudo, é um livro repleto de críticas ao comportamento em sociedade.
A escrita de Boulle é simples e direta, sem rodeios ou enfeites, é seca, e isso torna a estória ainda mais chocante e, em alguns momentos, assustadora. Confesso que a última frase do livro me deixou APAVORADA.
E o final do livro? Pensem em um plot twist destruidor! Vocês precisam ler porque é um daqueles finais que vai entrar para o meu hall de melhores finais da ficção! Simplesmente de cair o queixo.
Eu normalmente costumo indicar os livros que resenho aqui para quem se identifica com o gênero, nesse caso ficção científica, mas a verdade é que "O planeta dos macacos" não é um clássico à toa. Todos devem lê-lo, é magnífico e me deixou extasiada.


Beijinhos, Hel

BOULLE, Pierre. O planeta dos macacos. São Paulo: Aleph, 2015. 208 p. Tradução de André Telles.