O papel de parede amarelo - Charlotte Perkins Gilman

08:30

"Há coisas nesse papel que só eu sei, e que ninguém mais virá a saber." 
Um clássico da literatura feminista, como a capa da edição informa, e que eu ainda não conhecia, mas que, graças à ação do dia internacional da mulher do Grupo Editorial Record, tive o prazer de finalmente fazê-lo. Li de "uma sentada" e, ao final do processo, um misto de sensações e pensamentos confusos faziam parte de mim! 
Foto: arquivo pessoal
***
Por muito tempo considerado como literatura de terror, O papel de parede amarelo nos apresenta uma mulher que é levada pelo seu marido para passar um período em uma casa de campo, devido a um problema de saúde, uma "depressão nervosa passageira -  uma ligeira propensão à histeria". Lá, ela é acomodada em um quarto com um horrendo papel de parede amarelo, que desde o início a perturba intensamente:

"Nunca vi tanta expressão em uma coisa inanimada, e todos sabemos quanta expressão essas coisas têm." 

De todo modo, por mais que a narradora tente descrever os padrões e características do papel de parede, ao final da leitura, ele ainda estava completamente indescritível para mim. 
Ao longo da narrativa, que é narrada em primeira pessoa pela protagonista em forma de um diário, vamos acompanhando a relação dela com seu marido e o modo como ele ignora totalmente a real situação psicológica - ou psíquica - da esposa, afinal, ele é médico:

"Disse que eu era sua amada, seu consolo e tudo que ele tinha, e que devo cuidar de mim mesma por amor a ele e manter-me saudável.
Ele diz que ninguém além de mim pode me ajudar a sair deste estado; que devo usar minha força de vontade e meu autocontrole e não me entregar a fantasias tolas."

Percebe-se que, embora ela discorde do marido, ela não ousa desafiá-lo, mas não por medo, e sim porque ela acredita que ele está certo e o problema é ela. Contudo, é o papel de parede que de certa forma a alerta da situação em que ela está. O papel é uma metáfora, pois, ao cismar com suas cores e padrões, e com o próprio quarto em que ela é obrigada a permanecer contra a vontade, ela começa a enxergar nele uma mulher presa, ela mesma:

"Nos pontos mais iluminados ela se mantém quieta, e nos pontos mais sombrios segura as grades e as sacode com força.
E o tempo todo tenta escapar. Mas não há quem consiga atravessar esse padrão - ele é asfixiante; [...]"

Esses pontos mais claros, pode se dizer que são os momentos em que ela está sendo observada, vigiada, e que precisa esconder o que está sentindo e pensando, por isso, quieta. Os pontos mais sombrios são os momentos em que ela não aguenta mais a solidão e o tédio e tenta se libertar da condição de isolamento a que foi obrigada a ficar.
Ela tenta arrancar o papel numa tentativa de se libertar, mas não se libertar do papel, e sim das amarras de seu marido e da sociedade. 
***
Foto: arquivo pessoal















Privada de fazer o que gosta, pois seu marido a impede de se esforçar, a protagonista não pode escrever, que era a atividade que mais lhe dava prazer, assim, ela escreve este diário escondida. E é perceptível que ela está se sentindo pressionada e ansiosa pelo modo como escreve: frases curtas, entrecortadas, parágrafos curtos e objetivos, muitas vezes ela precisa interromper a escrita pois alguém está chegando, e isso faz da leitura uma experiência de agonia e suspense.
Não preciso nem dizer que o conto faz uma crítica à relação de alienação entre marido e mulher -  e não um conto somente de terror -, de modo que o desfecho da narrativa deixa bem claro os prejuízos que tal relação causou a nossa protagonista. E o interessante é que o conto tem traços muito pessoais da própria autora, Charlotte, os quais podemos saber ao final da edição, que vem com uma apresentação de Marcia Tiburi, intitulada A política sexual da casa e um posfácio que apresenta muito da biografia da autora, escrito por Elaine R. Hedges. Uma edição completíssima de um conto indescritível, O papel de parede amarelo foi uma leitura que jamais esquecerei e que com certeza revisitarei, dada a brevidade do texto mas que é tão grande nas reflexões e questionamentos que provoca.


Beijinhos, Hel.

GILMAN, Charlotte Perkins. O papel de parede amarelo. 1ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. 110 p. Tradução de Diogo Henriques.

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9 comentários

  1. Oii!

    Esse livro com certeza está na minha lista de leituras futuras!
    Nos últimos tempos tenho ouvido falar bastante dele, o que é uma coisa boa.
    Mas ainda assim, não conhecia a estória além da capa.

    Beijos

    www.ooutroladodaraposa.com.br

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    1. Olá, Rai.

      Esse livro realmente não impressiona pela capa, mas contém uma estória maravilhosa e muito impactante, chocante, principalmente o final. Recomendo demais a leitura!

      Beijos

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  2. Oi, Helena!
    Adorei esse seu espaço e amei a resenha.
    O livro já está na minha lista de desejados :)

    Beijinhos,
    Sala de Leitura

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    1. Oi, Luciana!
      Seja muito bem-vinda e boas leituras!

      Beijinhos.

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  3. Oi, Hel.

    Mais uma resenha incrível! É sério, adoro a forma como escreve.
    Não tinha conhecimento desse livro e fiquei super curiosa para lê-lo. Andei percebendo que tenho um gosto literário parecido com o seu. Sempre gosto muito das suas resenhas.

    Beijos!
    Historiar

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    1. Oi, Thami.

      Muito obrigada!

      Pois é, temos gostos parecidos e isso é muito legal e fico muito feliz por te agradar com minhas resenhas. Vindo de você esse comentário é um elogio para mim.

      Beijos!

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  4. Oi, tudo bem? Ultimamente ando vendo vários booktubers e blogueiros falando sobre esse livro. Confesso que pela capa eu jamais leria, sequer leria a sinopse, mas sua resenha me deixou bem curiosa... Adorei!

    Beijos,
    Duas Livreiras

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    1. Olá, Larissa! Esse conto foi enviado por causa do dia da mulher a todos os parceiros do Grupo Editorial Record e da Galera Record também, por isso ele está sendo bem divulgado!
      É uma estória muito interessante para se analisar a relação entre marido e mulher naquela época.

      Beijos e boas leituras

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  5. Olá, Thalita. Obrigada, procurei caprichar no cenário porque sinto que as fotos do blog devem em qualidade.

    É uma leitura bem aflitiva mesmo!

    Bjs

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