Enclausurado - Ian McEwan

17:00

"Alojado onde estou, sem nada para fazer a não ser crescer meu corpo e minha mente, absorvo tudo, até mesmo as idiotices - que é o que não falta." (MCEWAN, p. 13)

Quando a gente pensa que não há mais como inovar na literatura em relação a narrador ou enredo, vem o Ian McEwan e escreve Enclausurado. Narrado por um feto que ouve e analisa tudo o que se passa em sua volta - inclusive o fato de a mãe e o tio estarem planejando a morte do pai dele, para ficar com a casa valiosa - esse ser que ainda nem veio ao mundo já conhece o que de pior tem nele. Traição, ambição, luxúria.



Basicamente, o enredo se desenvolve em torno de Trudy, a mãe do feto, e de Claude, tio dele, bolando planos para executar o assassinato de John, pai do nosso inusitado narrador. Mas se você pensa que ele simplesmente "testemunha" os acontecimentos e não se posiciona, você está totalmente enganado. O grande trunfo dessa narrativa é justamente o fato de o narrador ser extremamente crítico e até ter certas preferências, como em relação aos vinhos que a mãe toma e, até mesmo, em relação ao quadro político da Inglaterra. Além disso, ele constantemente reflete sobre sua situação e, principalmente, o que acontecerá com ele se o pai morrer. Qual será seu destino? A mãe o ama?

"Meu pai é indefeso por natureza, como eu sou por circunstâncias. " (MCEWAN, p. 40)

Obviamente, enquanto lia, tracei paralelos entre Enclausurado e outras duas importantes obras da literatura: Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e Hamlet, de William Shakespeare. E acho que torna-se particularmente interessante a leitura deste livro tendo as outras duas na bagagem. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, temos um narrador-defunto, que, assim como o narrador-feto, por não viver, diretamente, em nosso mundo, apresenta sua trajetória sob um olhar cínico, observador e, por vezes, debochado. Já em Hamlet, a trama de traição entre irmãos se repete e a dúvida também assola o protagonista, sendo essa a maior semelhança entre as duas obras. Juntando um narrador que já não está ainda em nosso "plano astral" e um filho que sabe da traição da mãe com o tio, temos esse livro ímpar.

***

O que me motivou a ler esse livro, primeiramente, foi o fato de querer conhecer o tão elogiado autor. Segundo, com a iminência do lançamento de Enclausurado e de toda a polêmica que circundou sua publicação, escolhi essa obra para conhecer o estilo de Ian.
De certo modo, foi uma experiência de leitura que se aproximou da decepção, mas não chegou a ser uma. O livro é daqueles que vale mais a leitura pela reflexão que ele causa, do que pela estória propriamente dita. É claro que é inegável que McEwan escreve maravilhosamente bem, porém, o enredo dessa estória me pareceu propositalmente polêmico. As cenas em que o feto tenta desviar-se do pênis do tio durante as constantes cenas de sexo mesmo com o adiantado da gestação, principalmente, são as mais bizarras e, ao mesmo tempo, provocativas.

O desfecho, também, não foi nenhuma surpresa e posso dizer que já esperava que fosse do jeito que é. Não é uma leitura que recomendaria para qualquer um, algumas pessoas são muito mais impressionáveis e sensíveis do que eu e, portanto, poderia ser uma leitura um tanto quanto perturbadora. Todavia, preciso parabenizar o autor por tornar uma estória que embora possa parecer tão inverossímil, graças ao talento narrativo tornou-se muito boa. Qualquer outro escritor que adotasse o enredo de Enclausurado, mas que não tivesse a destreza de McEwan, poderia facilmente cair no ridículo. É preciso ser muito habilidoso para fazer um enredo desses funcionar.

"Não vejo nenhuma opção, nenhuma escapatória plausível para a possibilidade de ser feliz. Queria não nascer nunca..." (MCEWAN, p. 83)

Beijinhos, Hel.

MCEWAN, Ian. Enclausurado. Tradução de Jorio Dauster. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 199 p.

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9 comentários

  1. Oi Hel! Tenho o livro físico e o comprei porque muitas pessoas adoraram a narrativa. Vou lê-lo em breve e minha expectativa é grande. Nunca li nada do autor, mas ele é muito elogiado e Enclausurado encantou muitos leitores. Abraço!

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  2. Oi, Helena! Tudo bem? Eu tenho muita curiosidade em ler esse livro, tirar minhas próprias conclusões sobre a mesma. Muitos adoraram e outros nem tanto. Pelo menos o autor é muito bom, porque não é fácil criar uma estória que funcione bem com um tema diferente como o do livro. Abraços!

    www.marcasliterarias.com.br

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    1. Oi, Luciano!
      Acho que eu faço parte do time dos "nem tanto", haha. Mas confesso que a narrativa é muito boa!
      Abraço!

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  3. Oi, Hel!
    Antes de comentar sobre a resenha, só quero dizer que você falando que escolheu a obra para conhecer o estilo do autor fez minha cabeça pirar por um momentinho (a aula de hoje envolveu os objetivos de leitura).
    Achei a proposta do livro muito interessante, muito interessante mesmo! Mas fiquei refletindo e acredito que não seria uma leitura que me agradaria (posso estar enganada), mas tive essa sensação.
    Foi muito bom conhecer a sua opinião!
    Beijos

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    1. Oi, Thami! Deve ter sido uma aula e tanto, hein?!
      Eu acho que vc não gostaria também, pelo que conheço dos seus hábitos de leitura. Mas tenho vontade de ler Reparação, também do mesmo autor, que parece muito bom. Procure saber sobre este!
      Beijos!

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  4. eu amo esse autor. nem li em detalhes pq o bom dele é ir descobrindo. estou agora lendo solar dele. genial tb. beijos, pedrita

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    1. Oi, Pedrita!
      Boa leitura! Quando ler Enclausura podemos conversar, o que acha?
      Beijos!

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  5. Hellll!

    Estava louca para ler essa resenha! Como te falei via facebook, a Jack e eu tivemos a oportunidade de participar de um bate papo com o Ian McEwan e o Wagner Moura recitando alguns trechos de Enclausurado. Depois daquele choque e passada a anestesia do encontro, fiquei fascinada com o olhar desse nada convencional narrador!
    E lembro bem que em uma das perguntas o Ian disse que o livro era desse jeito "ácido e polêmico", mas acho que só estou tendo a dimensão dessa acidez lendo sua resenha, para mim estava muito mais para o lado cômico e satírico da coisa.

    Achei interessante sua observação que não é um livro para pessoas "sensíveis e impressionáveis", só atiçou minha curiosidade! E adorei o comparativo com Brás Cubas (preciso reler!!) e Hamlet (nunca li! O.O).

    Novamente, parabéns pela resenha! ♥

    E que venham os próximos do Ian! xD

    Bjs :*


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