O menino feito de blocos - Keith Stuart

17:00

"Desde o início foi uma criança difícil. Não comia, não dormia. Só chorava e chorava [...]  Parecia revoltado por estar no mundo." (STUART, p. 8)

Baseado em sua vida com um filho autista, Keith Stuart escreveu esse livro sincero sobre as dificuldades de se criar uma criança que está sob o espectro do autismo.

***

De início já sabemos que o casamento de Alex com Jody está desmoronado, os dois estão tentando uma "separação experimental". Ele vai, então, morar com um amigo de infância, Dan. E é a partir da perspectiva dele que sabemos como é o seu relacionamento com o filho Sam, de dez anos, que ficou com a mãe, e que sempre fora uma incógnita para Alex que, erroneamente, quando olhava para o filho enxergava só o autismo e não a subjetividade da criança. Aliado a isso, Alex também perde o emprego e se vê numa situação ainda mais difícil, pois era ele quem sustentava a casa e a escola de Sam. Desse modo, Jody começa a trabalhar e Alex precisa ficar cuidando do filho nestas ocasiões.

O interessante dessa estória é que Alex, enquanto pai, tem noção de que foi relapso e se absteve de cuidar de Sam, já que Jody sempre fez isso. Ele dizia que ficava trabalhando até tarde para poder dar uma vida melhor aos dois, mas a verdade é que ele inconscientemente fugia do filho e do desafio de entendê-lo. Aquele velho pensamento de que a mãe tem mais "jeito" com os filhos e o homem é quem sustenta a casa. Apesar de Jody ser uma personagem secundária, pensei muito na situação dela e em quantas mulheres passam pelo mesmo, seja com filhos "normais" ou com necessidades especiais. Até quando a criação dos filhos ainda vai ser vista como uma função primeira das mulheres? É perceptível que Jody pede para que Alex saia de casa para ver se ele entende que nada está o.k., e que ele precisa mudar antes que Jody (e também Sam) saiam da sua vida para sempre.

"Sam é o planeta de preocupações e caos que nós temos orbitado pela maior parte do nosso relacionamento." (STUART, p. 16)

Então, Alex começa a entrar em contato com Sam sem Jody estar por perto e precisa lidar com as crises de pânico, as oscilações de humor e a sensibilidade elevada que ele tem aos ruídos e acontecimentos do mundo. Como Alex costumava dizer, o mundo é uma aventura para Sam, e não um passeio. O que ele não esperava era que um jogo de vídeo-game, o Minecraft, fosse uni-los e fazer com que eles compartilhassem algo só dos dois, o "mundo do papai e do Sam". É aí que Alex vê uma oportunidade de se aproximar e entender a personalidade de Sam e entender melhor como ele enxerga o mundo a sua volta.

"Nesse universo, onde as regras são precisas, onde a lógica é clara e infalível, Sam está no controle." (STUART, p. 134)

Ao tentar entender o filho, Alex percebe que precisa entender a si mesmo, primeiro, e superar acontecimentos do seu passado. 

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É engraçado tudo isso porque sempre ouvimos que não é saudável deixar as crianças jogarem vídeo-game e que isso em nada acrescenta à educação delas. Eu sempre pensei o contrário, e essa estória mostra que por meio de uma realidade virtual Alex se aproxima do filho e compreende quais são suas inseguranças e medos. Além disso, Sam sente-se mais confortável para se comunicar com o pai sobre Minecraft, um assunto que ele domina. E aproveitando uma brecha aqui, outra ali, o pai consegue estabelecer um diálogo com ele. É bem bonito e muito tocante.

Esse livro veio parar nas minhas mãos ao acaso, por cortesia da editora, e confesso que o autismo não é um tema que eu compreenda, talvez eu e Alex tenhamos muito em comum. Mas posso dizer que aprendi muitas coisas sobre o autismo e, principalmente, desenvolvi uma maior sensibilidade em relação à criação de filhos autistas (ou não, mas claro que um filho autista tem as suas particularidades e dificuldades). Algo que a Cecília do Blog Refúgio comentou e que também me tocou bastante durante a leitura foi a questão “quem cuida de quem cuida?”. Se as pessoas já julgam pais e mães em condições normais, imaginem nesse caso? 

"Eu não tinha pensado nisso antes, em como o autismo é uma versão amplificada e muito centrada de como todos nos sentimos, das ansiedades que todos temos. A diferença é que o restante de nós esconde tudo sob camadas de negação e de condicionamento social." (STUART, p. 215)

A minha experiência de leitura, apesar de arrastada, foi bem gratificante e me fez terminar esse livro com um quentinho no coração.

Beijinhos, Hel.

STUART, Keith. O menino feito de blocos. Tradução de Ana Carolina Delmas. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2016. 377 p.

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6 comentários

  1. Que ótima resenha Hel!!! Eu também recebi o livro da editora, mas ainda não li, pelo visto é um assunto muito bem tratado, não só sobre o autismo, mas também o fato da visão que a mãe tem q cuidar da casa e do filho e pai apenas com o trabalho de sustentar a casa. Tenho certeza que muitas famílias vivem assim, principalmente as que tem filhos com necessidades espiciais, e é bom ler algo onde o personagem muda e acha um modo de se comunicar melhor com o filho.

    Pretendo ler em breve!

    Paradise Books || @ParadiseBooksBr
    xoxo

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    1. Oi, Nikolle. Tudo bem?

      Eu estava adiando a leitura desse livro e, apesar de ter me arrastado demais pra terminar, gostei muito das reflexões que ele trouxe.

      Bjs!

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  2. oioi! Eu indiquei vocês para a TAG "11 fatos sobre mim"! Para vocês saberem como funciona e responderem é só ir lá no meu site e procurar nas postagens! <3

    Barbara Filippini (Presente do Ler - https://www.presentedoler.com)

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  3. Achei a sua resenha bem sensível, Hel!
    Também não entendo praticamente nada sobre autismo, mas gostaria de ler a respeito justamente pra ter uma experiência de descoberta. Penso em ler "Passarinha", um livro que muito bem-recomendado!

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    1. Oi, Leth! Obrigada!
      Eu lembro que esse livro, Passarinha, fez muito sucesso e foi muito recomendado há um tempo atrás. Deve ser bom mesmo.
      Bjin

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