Resenha: Garota, interrompida de Suzanna Kaysen

15:00

"As pessoas me perguntam: como você foi parar lá? O que querem saber, na verdade, é se existe alguma possibilidade de também acabarem lá. Não sei responder à verdadeira pergunta. Só posso dizer: é fácil." (Kaysen, 2013, p. 11).

Foto: arquivo pessoal.
Suzanna Kaysen, depois de uma consulta com um médico o qual nunca havia se consultado antes, é diagnostica com transtorno de personalidade limítrofe e é levada, por livre e espontânea pressão  vontade, ao Hospital Mclean, aos dezoito anos de idade.

"Afinal de contas, o que quer dizer personalidade limítrofe? Ao que parece, é algo que fica a meio caminha entre a neurose e a psicose: um psiquismo fraturado, mas não desmontado. Muito embora seja esse "o nome dado às pessoas cujo estilo de vida incomoda os outros", nas palavras do meu psiquiatra [...] Ele pode dizer isso, pois é médico. Se eu disser, quem vai acreditar em mim?" (Kaysen, 2013, p. 169).

A verdade é que Suzanna, aos dezoito anos, não tinha planos de entrar na universidade, nem arrumar um emprego "de verdade". Ela queria viver de Literatura e namorados, o que era considerado promíscuo e inadequado para alguém, ainda mais sendo mulher, em 1967. Seus pais também não concordavam com a ideia da garota, logo, interná-la no Mclean pareceu a única opção. Ninguém tentou entendê-la, ninguém quis saber dos motivos dela, só queriam encaixá-la nos padrões da sociedade daquela época e, como ela se recusou, foi classificada como "louca"! Diante da definição do transtorno, Suzanna reflete:

""[I]nstabilidade da autoimagem, das relações interpessoais e do estado de espírito... incertezas diante... das metas de longo prazo ou da escolha da profissão... ". Não é uma boa descrição da adolescência? Mal-humorada, inconstante, ligada em modismos, insegura. Em outras palavras, insuportável." (Kaysen, 2013, p. 169).

Ela era uma adolescente, assim como as garotas que conheceu e fez amizade dentro do Mclean: Georgina, Lisa, Daisy, Cynthia, Polly... Todas garotas interrompidas. Cada uma com um diagnóstico diferente, esquizofrenia, sociopatia...

"Em um estranho sentido, éramos livres. Tínhamos chegado ao fim da linha. Não tínhamos mais nada a perder. Nossa privacidade, nossa liberdade, nossa dignidade: tudo isso tinha acabado. Estávamos despidas até os ossos. (Kaysen, 2013, p. 110).

***

Suzanna descreve, em suas memórias biográficas, o cotidiano no Mclean: o tédio, as enfermeiras que não tiravam os olhos delas, os medicamentos que as dopavam, o eletrochoque, a solitária, colegas que se suicidavam... Métodos que as deixavam cada vez mais distantes da sanidade. Mas o que é loucura e o que é sanidade? Será que não querer entrar dentro de um comportamento "padrão" é considerado loucura? Ou será que eles é que estavam loucos e Suzanna estava sã, ciente do que queria para sua vida? Será que temos um emprego ou fazemos uma faculdade por que realmente é isso que queremos ou é o que a sociedade quer de nós? Fica a reflexão.

Esse livro mexeu muito comigo durante os dias que o li. De leitura fácil e com uma narrativa que beira a ficção, possui capítulos curtos e cheios de questionamentos que Suzanna desperta no leitor. Foi triste a jornada dela, sem receber o apoio dos pais e nenhuma visita durante seu período de internação, Suzanna estava alheia ao mundo lá fora. Penso que deve ter sido difícil para ela escrever essa biografia, pelo fato de que ela tenta, em diversos momentos da narrativa, provar que os médicos estavam errados e que seu diagnóstico foi prematuro e machista. Machista pois um homem nunca seria colocado em um hospício por namorar com várias mulheres ou por agir agressivamente. Mas diante disso, ela vê sua impotência e a falta de credibilidade que tem por ser uma pessoa que já esteve internada com um diagnóstico de transtorno de personalidade. 
Ler Garota, interrompida é uma experiência que recomendo a todos. Não há nada mais altruísta do que se colocar no lugar do outro e é isso que esse livro proporciona ao leitor. Achei interessante como Suzanna descreve sua loucura, como ela se sentia durante as crises e como enxergava as coisas a sua volta, é tão claro que chega a parecer didático. 

"Depois de passar anos internadas, gritando e causando problemas, muitas de nós já estavam prontas para outras coisas. Embora à nossa revelia, todas havíamos aprendido a dar valor à liberdade e faríamos qualquer coisa para conquistá-la e preservá-la." (Kaysen, 2013, p 142).

Obs.: Não assisti ao filme ainda, mas pretendo fazê-lo em breve, pois, como essa leitura foi feita para o mês de novembro do clube do livro que participo, cujo tema é "livro que virou filme", acredito que seja interessante fazer uma comparação entre os dois.

Já leram esse livro? Gostam de ler biografias?

Beijinhos, Hel.


KAYSEN, Suzanna. Garota, interrompida. São Paulo: Editora Gente. 2013. 189 p. Tradução de: Márcia Serra.

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17 comentários

  1. Adorei a resenha! Muito interessantes esses trechos do livro, gostei muito. Fiquei ainda mais curiosa e vou começar logo a leitura para o nosso clube do livro! =D

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    1. Obrigada, Júlia. O livro é cheio de passagens marcantes, muito bom de ler!

      :)

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  2. OIá, Helena!
    Conheço apenas o filme e lembro que à época (início dos anos 2000, acho) essa história foi bem impactante, especialmente pela atuação de seu elenco (Wynona Rider e Angelina Jolie, perfeitas na trama!). Mas nossa, não sabia mesmo que se tratava de um relato autobiográfico...
    Bom, agora é tomar fôlego, "apagar" um pouco a lembrança do filme, e colocar na wishlist este texto intenso... :)
    Bjs,
    Rebeca

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    1. Oi, Rebeca. Eu pretendo assistir em breve o filme, ainda bem que ele é bom, então. Eu sei que a Angelina ganhou Oscar pela atuação dela.
      Todo mundo ficava surpreso quando eu dizia que era autobiográfico, a verdade é que parece muito a narrativa de uma ficção.

      Você gostou do filme então vai gostar do livro!

      Beijos!

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  3. Oi Helena o/
    Já vi várias resenhas desse livro e acho que vou adorar, porque todos falam bem e comentam sobre as reflexões que surgem com essa leitura. Ainda não vi o filme e prefiro ler antes de assistir, mas acho que isso vai demorar um pouco, porque minha lista de futuras leituras só aumenta >.< . Enfim, só queria dizer que amei esse espaço aqui e você vai ver minha cara mais vezes porque virei seguidora hahaha. Abraços procê ^^

    imaginaivy.blogspot.com

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    1. Que coisa boa ler isto! Você pode vir aqui o quanto quiser, hahaha!

      E a nossa wishlist só aumenta, né?

      Abraços ^^

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  4. Oi, Thalita! Muito triste mesmo, ela ainda dá um tom de humor à narrativa mas dá para sentir a angústia dela.
    Não tem problema, quem sabe você assiste o filme e fica curiosa com a história ;)

    Beijos!

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  5. Oi! Ótima resenha! =)
    Esse será o primeiro livro de biografia que leio, haha.
    Pela sua resenha parece realmente interessante, pela temática e tudo o mais.
    Até me animei para ler agora. ;)

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    1. Oi, Paulinha. Obrigada!

      Eu gostei bastante mesmo, eu achei que por ser uma biografia seria chatinho, mas me surpreendi com a leitura!

      :)

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  6. Ei, Helena! Amei a sua resenha! Fiquei com vontade de ler o livro :)
    Beijinhos

    minhasecretapoesia.blogspot.com

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  7. Oi.
    Eu tenho esse livro desde o ano passado, mas ainda não li..
    Gostei da resenha. bjs

    www.sobrevicios.com.br

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    1. Oi, Fla! Eu comprei e já tive que ler, hehe. Não sei se volto a lê-lo algum outro dia, :) Mas eu recomendo a leitura, sim!
      Obrigada. Beijos!

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  8. Realmente surpresa por ser autobiográfico, não fazia idéia. No domingo quase assisti sem ter lido, mas estava em uma onda de azar com as adaptações para o cinema e acabei desistindo. Acho que vou começar pelo livro mesmo, sempre é a melhor ideia.

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    1. Eu também acho melhor conhecer a história primeiro pelo livro!

      ^^

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  9. Ainda não li o livro e nem vi o filme! Em todas as resenhas que li sobre a trama as pessoas falam o mesmo: o livro é provoca sentimentos fortes no leitor. Gostei da sua resenha e da forma como foi colocando as quotes. Maravilhoso! Se ver o filme vem contar o que achou também.
    Beijos,
    Monólogo de Julieta

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    1. Oi, Paloma! Então, verei o filme dia 24 desse mês, se eu achar legal posso fazer um post comparando os dois!
      Beijos :)

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