Senhor das moscas - William Golding

17:00

"Você sabe, não é? Que eu sou parte de você? Bem perto, bem perto, bem perto! Que é por minha causa que nada adianta? Que as coisas são do jeito que são?" (GOLDING, 2014, p. 158)

A maldade é inata? Ou o meio em que estamos contribui para que nos tornemos maus? Até que ponto o ser humano é capaz de manter sua sanidade, o respeito pelo próximo e pela vida?

Num período de guerra, um avião com um grupo de crianças cai em uma ilha deserta. As crianças são de diversas idades, algumas mais novas, em torno dos seis anos e outras em torno dos doze. Sozinhas e sem a supervisão de adultos, inicialmente, as crianças acreditam estar num paraíso e se comportam como é esperado que se comportem: como crianças. Acham a ilha paradisíaca e, sem consciência da situação, nos primeiros momentos, só querem saber de curtir a praia e as diversões que a ilha proporciona. Porém, com o passar dos dias, a situação começa a tomar rumos extremos.


"O mundo, aquele mundo compreensível e obediente à lei, desmoronava." (GOLDING, 2014, p. 101)

Conscientes de que demoraria muito até que um navio com adultos viesse salvá-los, as crianças percebem que precisam se organizar. Ralph é eleito o líder por ser o mais carismático, e não o mais inteligente. O mais inteligente, obviamente, era Porquinho, mas Porquinho, bem, ele era gorducho, usava óculos e era asmático, o tipo de criança que sofre bullying. E claro que na ilha não seria diferente, Porquinho é motivo de risada e é constantemente humilhado pelas demais crianças. Muitas vezes fiquei irritada com isso, pois até mesmo Ralph reconhecia que não era o líder mais adequado, mas a sede por poder era maior que tudo, ali na ilha. É por isso que, mais adiante na estória, Ralph e Jack, outro menino mais velho, começam a se desentender e aí é só o início de toda a barbárie. 

As crianças começam a sentir medo, e o medo começa a ser alimentado, primeiro pelas menores, depois, até os maiores começam a temer a ilha. Assustadas, as crianças começam a agir irracionalmente e a desordem começa a se instaurar. Elas têm medo de um monstro. Mas, na verdade, o que elas temem é a ilha... "Como se a ilha não fosse boa." (GOLDING, 2014, p. 57) Ou seria elas mesmas?

"É só uma sensação. E você tem a impressão que não está caçando, mas - sendo caçado; como se tivesse alguma coisa atrás de você o tempo todo no meio da selva." (GOLDING, 2014, p. 58)

***

O Senhor das moscas, uma cabeça de porco em cima de uma estaca, representa nada mais, nada menos que o próprio mal. O mal que todos, mesmo uma criança, carregam dentro de si e está só esperando para ser despertado. Pode parecer um pouco chocante essa perspectiva, e realmente é. Por isso, se você não gostar de livros com narrativas cruas e viscerais, não recomendo a leitura de Senhor das moscas

Imagem do filme, de 1990

Além disso, há muito mais simbologias presentes na obra, que é riquíssima, apesar da narrativa simples. Há a metáfora de que a sociedade criada pelas crianças na ilha se assemelha muito à nossa sociedade "adulta". Há sede por poder, os homens atacam seus iguais para tomar seu lugar. Elegemos representantes nem sempre tão capazes, mas que se mostram muito carismáticos e que têm apelo com as massas. Pensamos mais em nós mesmos do que no bem comum. Etc., etc., etc.... É assustador, também, ler sob essa perspectiva.

Vale comentar, a título de indicação de leitura, que William Golding foi laureado com o Nobel de Literatura em 1983. Também a minha indicação, humilde porém sincera, de que esse livro é incrível e merece ser lido por aqueles que gostam de estudar e apreciar escritos que perscrutem a condição humana.

Beijinhos, Hel.

GOLDING, William. Senhor das moscas. (Tradução de Sergio Flaksman). 1 ed. Rio de Janeiro: Alfaguara. 2014, 224 p.

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8 comentários

  1. Olá Hel! Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência. Livros assim causam profundo desconforto. O título já me afasta da possibilidade de leitura, porque ele já nos dá uma ideia do que está por vir. Sempre que vejo este livro em livrarias ou nas mãos de alguém, fico tentando imaginar uma imagem com várias moscas que seja agradável e concluo que não há. Está bem claro que este é um livro concebido para tocar em temas espinhosos e pela sua resenha, cumpre sua proposta. Excelente resenha, como sempre. Abraço!

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    1. Oi, Maria!
      Realmente, é uma leitura desagradável,não há perspectiva de terminá-la com um sentimento bom, há muitos acontecimentos ruins e muito do lado egoísta e irracional do ser humano é jogado na cara do leitor. Por isso, disse que não recomendo essa leitura pra todo mundo, tem que ter estômago forte.
      Obrigada pela visita, abraço! :)

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  2. Oi Hel! Tudo bem?
    Olha lendo sua resenha, me senti como se estivesse lendo minha última leitura : Jantar Secreto. Esses livros que expõe onde a índole humana pode chegar, são escritos de uma forma brutal para nos confrontar da forma mais dura possível! E talvez seja necessário fazer isso. Resenha incrível como de costume... beijos!

    www.blogleituravirtual.com/

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    1. Oi, Gustavo. Tudo ótimo e contigo?
      Concordo contigo, é absolutamente necessário lermos essas narrativas!
      Beijão!

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  3. Oi! =)

    Já estava curiosa pelo livro, depois dessa resenha, farei o possível para lê-lo assim que possível.
    Muito me interessam essas obras que exploram o ser humano e suas atitudes. E essa parece rapidinha de ler. Além de que os protagonistas são crianças. Terminei de ler ontem um livro cujo protagonista era um menino de sete anos, e de certa forma é curioso ver como exploram o que há de comum e diferente entre o mundo dos adultos e o mundo das crianças, embora sejam o mesmo.

    Gostei da resenha, e da foto (do livro)!

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    1. Oi, Paula!

      É uma leitura bem rápida, sim, mas muito densa. A narrativa simples de criança pode enganar, mas há muita semelhança com os nossos sentimentos, enquanto adultos.

      Obrigada pelo comentário!

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  4. Eu não sei o porquê, mas tinha certeza de que esse livro era do Mia Couto. Até fui procurar os livros dele, para ver se tinha algum título parecido, mas aparentemente não...

    Também não sei o motivo, mas tenho um certo "bloqueio" com Mia Couto... tipo, nunca li nada, mas fico com impressão que não vou gostar nem um pouco quando ler (espero estar errado).


    Enfim, sua resenha acabou renovando totalmente meu interesse em "Senhor das Moscas". Porque seu texto ficou ótimo... e também porque mostrou que não é do Mia Couto hauhauauha

    Abração!

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    1. Oi, Fabio! Você por aqui? Que honra, haha.

      Nossa, de onde vc tirou que esse livro era do Mia Couto, hein? Bom, também confesso que nunca me senti atraída pela obra desse autor (o Mia Couto), tanto que nem conheço os títulos dos livros dele, só o nome.

      Espero que possas ler Senhor das moscas, agora que descobrisse a autoria dele, haha.
      Obrigada pelo comentário.
      Abração!

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