Memórias de uma gueixa – Arthur Golden

13:12



A dor é uma coisa muito esquisita; ficamos tão desamparados diante dela. É como uma janela que simplesmente se abre conforme seu próprio capricho. O aposento fica frio, e nada podemos fazer senão tremer. Mas abre-se menos cada vez, e menos ainda. E um dia nos espantamos porque ela se foi. (p. 273)

Antes de ler Memórias de uma gueixa, confesso que jamais tinha refletido acerca do que é uma gueixa, simplesmente me vinha à cabeça aquela imagem de uma bela mulher de quimono e maquiagem branca, mas nunca me aprofundei acerca dessa tradição. Ao mergulhar na leitura de Memórias de uma gueixa, pude não só descobrir o que é ser uma gueixa, como também descobrir muita coisa sobre a cultura japonesa.
***
Nessa belíssima obra, conhecemos a protagonista Chiyo Sakamoto ainda criança, a morar no pobre vilarejo de Yoroido com os pais e a irmã. Com a mãe doente a beira da morte, o pai vende as duas meninas como escravas. Chiyo acaba sendo levada para uma okyia em Quioto (lugar onde moças são treinadas para se tornarem gueixas) e a sua irmã, Satsu, é levada para outra direção, assim, as duas irmãs se separam.
Desorientada, Chiyo não vê outra saída a não ser aceitar a situação que lhe é imposta, assim, passa a trabalhar na okyia e a frequentar as aulas. Uma aprendiza de gueixa aprende principalmente a dançar e tocar instrumentos musicais para que, no futuro, possa entreter homens em casas de chá. Falando em chá, a cerimônia do chá é algo muito prezado pelos japoneses até hoje, pelo que pesquisei, sendo essencial que uma gueixa a estude para que possa trabalhar entretendo nas casas de chá. Logo que chega, todos ficam admirados com a peculiaridade dos olhos de Chiyo, que se diferem do padrão dos olhos orientais:

- Mas que olhos estranhos! – disse. – Pensei ter imaginado isso. De que cor diria que são, Tatsumi?
 A criada voltou para a entrada e me olhou.
- Azul-cinza, senhora – respondeu.
- É o que eu teria provavelmente dito. Ora, quantas meninas em Gion você que acha que tem olhos desses? (p. 130)

Acredito que não seja um spoiler eu dizer que, embora tenha tido muitas dificuldades, Chiyo se torna uma gueixa de muito sucesso e passa a se chamar Sayuri. As dificuldades a que me refiro são muitas, já que ser uma gueixa não é tão simples como eu pensava. As meninas estudam anos, às vezes começam os estudos aos três anos de idade para que, só na idade adulta, muitas vezes, consigam vir a se tornar uma gueixa. Uma das maiores dificuldades que Sayuri encontra está em Hatsumomo, uma gueixa muito famosa e bela que mora na mesma okiya que ela. Hatsumomo é uma verdadeira vilã, movida pelo ciúmes, faz o que pode para arruinar a carreira de Sayuri, a qual ela vê como uma grande rival. 
***
É difícil falar desse livro, pois é um daqueles tão maravilhosos que sinto que não há palavras que possam descrevê-lo, embora eu possa apontar alguns aspectos que me despertaram a curiosidade no enredo de Memórias de uma gueixa, como a sexualidade, que é uma temática que permeia todo o enredo. Descobrimos que muitas pessoas confundem as gueixas com as prostitutas da cultura ocidental, contudo, é fácil diferenciar quando se vê uma gueixa e uma prostituta e a narradora do livro descreve quais são essas diferenças, sendo umas das principais e mais óbvias a que uma prostituta não passa por toda a preparação e estudo que uma gueixa passa e serve somente para o sexo, já uma gueixa trabalha para entreter os homens dançando e os acompanhando nas casas de chá. O que me surpreendeu foi o fato de que uma gueixa é uma espécie de negócio, uma okiya não adota uma menina que não acha que será uma gueixa de sucesso e se empenha para que assim seja, investindo na formação da aprendiza. Esse investimento é todo debitado da conta da aprendiza que, quando começa a trabalhar, primeiro tem que pagar sua dívida para a okiya para, só depois, começar a ter os lucros para si, embora a okiya continue lucrando com a gueixa.
Ler Memórias de uma gueixa permite ao leitor descobrir o que há por debaixo da maquiagem da gueixa, os sentimentos e as privações a que uma gueixa são submetidas e, principalmente, o fato de que uma gueixa vive em função da sua profissão.

Nós não nos tornamos gueixas para que as nossas vidas sejam agradáveis. Tornamo-nos gueixas porque não temos outra alternativa. (308)

Memórias de uma gueixa é, sem sombra de dúvidas, um livro muito bonito, embora de uma narrativa crua e realística. A narradora conta os pormenores e os segredo da rotina de uma gueixa e tem-se a sensação de que nos deparamos com o diário de alguém e o estamos a ler de tão verossímil que a estória é. O trabalho que o autor fez com esse livro é de uma magnificência que custa acreditar que não se trate de uma história que realmente tenha acontecido, e isso se deve ao fato do profundo estudo do Golden na cultura japonesa, resultando nessa obra prima da literatura americana.
Não posso dizer que tenha sido uma leitura fácil, todavia, não conseguia parar de ler curiosa para saber o destino de Sayuri e ao mesmo tempo maravilhada com um enredo tão diferente de todos os que eu já li. Indico fortemente a leitura desse livro caso você seja um faísca atrasada como eu que ainda não teve a oportunidade de se fascinar com essa estória tão rica culturalmente e artisticamente falando.

GOLDEN, Arthur. Memórias de uma gueixa. Rio de Janeiro: Imago, 1998. 464 p. 


Obs.: essa leitura eu fiz em conjunto para o clube do livro de meu curso, Letras. A minha amiga, Paula, que é colaboradora do blog Eu curto literatura também fez resenha para esse livro, se quiserem conferir, cliquem aqui: resenha da Paula.

You Might Also Like

16 comentários

  1. Olá! Li este livro em 2011 e até hoje não esqueci os detalhes. É marcante e instigante e nos ensina muito sobre as gueixas. É impressionante como um homem consegue escrever tão bem sob a fala e os pensamentos de uma mulher. Pesquisando na época descobri que o livro foi inspirado em uma história real e que a pessoa que relatou os fatos acabou processando o autor posteriormente. Existe o filme também, não lembro se com o mesmo nome, porém não tive coragem de assistir. Sofri muito lendo o livro, nem queria imaginar o filme. Abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi.

      Amei essa leitura justamente pela carga de ensinamentos que ela contem. Fiquei maravilhada com a cultura das gueixas e com o trabalho que elas passam para se montarem e manterem aquela aparência.
      Também fiquei pensando como o autor dominou bem a cultura a ponto de confundir o leitor, enfim, ele estudou muito, decerto.
      Eu também fiquei sabendo que houve esse bafão aí, parece que foi porque o autor meio que deu a entender que as gueixas são uma espécie de "prostitutas de luxo", fato que eu percebi na leitura também.
      Também não assisti ao filme, mas pretendo fazê-lo só por curiosidade!

      Abraço!

      Excluir
  2. Oi! Ótima resenha, adorei! *-*

    De fato, não é uma leitura simples, mas vale muito a pena ler.
    Ler sua resenha me fez pensar o quanto desconhecemos de outras culturas que não temos contato. Estou até percebendo mais uma vez o maravilhoso papel da tradução. ;)

    Enfim, se não fosse pelo clube eu também demoraria a lê-lo, haha. xD

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Paula!
      O clube do livro tem nos proporcionado leituras surpreendentes, não é mesmo? Estou adorando.

      :)

      Excluir
  3. Oi, Hel!

    Quando tu disse que estava lendo esse livro, eu pensei: "Título interessante", porém, não sabia nem um pouco do que se tratava. Na verdade, nunca tinha ouvido falar dele.
    Confesso que na minha imaginação sem conhecimento, meio que comparei uma gueixa a uma prostituta. Achei bacana tu falar sobre a diferença. Ah! Eu não tenho nenhum conhecimento mais aprofundado sobre a cultura japonesa.
    Estou começando a me apaixonar pelas escolhas de citações que tu faz. Simplesmente adorei essa primeira, que reflete sobre a dor.
    Ao ler sua resenha, fiquei pensando muito em como Chiyo/Sayuri se posicionou diante da situação pela qual foi obrigada a enfrentar. Fiquei triste por ela pela venda, não sei se isso faz parte, mas fiquei.
    Enfim, já adicionei o livro na minha lista de livros para ler. Sua resenha me conquistou e estou sentindo uma necessidade gigantesca de fazer essa leitura.

    Beijos, Historiar

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Thamiris.

      As citações são lindas, não? Se tu olhar a resenha da Paula também vais encontrar outras bem marcantes, o livro é repleto delas. Citações e metáforas incríveis.

      A protagonista é bastante submissa e volúvel, sabe... como a maioria das mulheres naquela época eram no Japão, pra você ter uma noção do período, foi no auge da segunda guerra mundial que o livro foi ambientado, logo, anos 40, por aí...

      Que bom que você gostou da resenha e da temática do livro, eu acho que você vai gostar bastante da leitura, eu amei, amei... ainda estou digerindo tanta beleza e riqueza.

      Beijos!

      Excluir
  4. Oii, adoro a cultura japonesa, sempre vejo esse livro mas acabo deixando para depois... mas pela sua resenha, estou perdendo tempo!
    bjs
    http://poyozodance.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Caroline!

      Se você gosta de cultura japonesa mesmo, está realmente perdendo tempo ;)

      Beijos e boa leitura!

      Excluir
  5. Olá, Thalita.

    Nossa, agora vi que você é fã mesmo! Fiquei até com medo de saber que você leu a minha resenha, haha.
    Estou ansiosa para assistir ao filme, beijos!

    ResponderExcluir
  6. Adorei a resenha. Ainda não li o livro, mas gosto bastante do filme.
    Sobre a história parecer real... Existe aí uma certa polêmica, pois o autor diz ser fictía, porém diz-se que Mineko Iwasaki (a mais famosa gueixa do Japão) concordou em oferecer relatos de seu treinamento para a pesquisa e que a sua vida foi então a base para criação do livro. Há um livro biográfico dela, o "Minha vida como gueixa - A verdadeira história de Mineko Iwasaki".
    Bjs,

    Jack.
    EntreLinhas Fantásticas - SORTEIOS NO BLOG! PARTICIPE :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Jack, fiquei sabendo dessa história. Bem polêmica, não? Agora tô curiosa para ler o livro da Mineko, porque eu penso que, por mais que o Golden tenha estudado a cultura das gueixas, ainda deve ter alguns pensamentos - e preconceitos - remanescentes da criação ocidental dele. Acredito que o relato dela seja muito mais confiável do que o dele.

      Beijos!

      Excluir
  7. Olá! Nunca li o livro, apesar de já ter ouvido meu professor de literatura falar sobre. O livro parece ser bem interessante e com passagens bem metafóricas que levam o leitor a refletir um pouco. ótima resenha!
    Beijos,
    Luana Agra - Blog Sector 12 - http://sector-12.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Luana!
      É um livro riquíssimo, vale muito a pena a leitura!

      Muito obrigada ^^

      Excluir
  8. Eu lembro que alguns anos atrás esse livro foi meio que uma febre, deve ter sido quando foi lançado aqui no Brasil. Eu via fotos da capa nas indicações dos sites de livrarias, e ficava mega curiosa para ler, ainda mais com essa imagem tão marcante do rosto de uma mulher.
    Eu já tinha lido outra resenha dele, mas era tão rasa que continuei cheia de questionamentos (que a sua resenha finalmente conseguiu responder). Dou meus parabéns por ter esclarecido a confusão com as prostitutas, porque eu realmente pensava que gueixas eram escravas sexuais, e você conseguiu tirar isso da minha cabeça.
    A resenha está divina, assim como as outras duas que já comentei aqui no blog. Aliás, já estou seguindo!

    http://loucura-por-leituras.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lethycia, que bom que você gostou da minha resenha e conseguiu desfazer esse mal entendido! E essa capa é linda mesmo, muito chamativa!

      Obrigada por seguir, seja muito bem-vinda ao blog e sinta-se sempre a vontade para comentar e criticar!

      Beijão!

      Excluir

Deixe um comentário! Eu vou adorar saber a sua opinião e com muito prazer te responderei :)