Escrevo esse texto para falar sobre o livro O dragão de gelo de George R. R. Martin, escritor também conhecido pelos romances d'As Crônicas de gelo e fogo, que deram origem à premiada série da HBO Game of Thrones. Mas, escrevo também para falar um pouco sobre Literatura Infantil que é um tema que me agrada muito.
O dragão de gelo é a estreia de George na literatura infantil: um conto escrito em 1980 de leitura rápida, fluida e que em pouco ou quase nada lembra suas histórias sangrentas e cruéis as quais já estamos acostumados, exceto, talvez, pelo cenário de guerra e pela presença da criatura do dragão, também muito bem explorada em As crônicas de gelo e fogo. Ao que tudo indica, o dragão de gelo, seus personagens e lugares não são os mesmos e nem se relacionam aos de Westeros.
O que esperar de um livro infantil escrito por um autor que já é consagrado entre o público adulto com suas narrativas pesadas e polêmicas? Eu fiquei curiosa e decidi me aventurar.
A protagonista é Adara, uma menina incomum, nasceu no inverno mais rigoroso que se tinha notícia e sempre foi uma criança distante, fria como o inverno em que nasceu mas que, com a leitura, vamos percebendo que, na verdade, ela foi sempre incompreendida. A mãe morreu ao dar a luz a ela e o pai e os irmãos seguiram suas vidas com essa cicatriz, sempre reavivada pela figura de Adara. A garotinha tem uma existência solitária, até a chegada do dragão de gelo:
"O dragão de gelo soprava morte no mundo. Morte, quietude e frio. Mas Adara não tinha medo. Ela era uma criança do inverno, e o dragão de gelo era o seu segredo." (MARTIN, 2014, p. 38)
Por incrível que pareça, o dragão gosta de Adara e ela não sente medo dele (Daenerys feelings) começando, assim, uma amizade muito singular e bonita. Porém, nada é tão bonitinho assim para sempre nos livros do Martin e um cenário de guerra atinge o vilarejo onde Adara e sua família vivem.
O final, como já era de se esperar, não é feliz, mas tampouco triste. Ao concluir a leitura do livro, me perguntei o que uma criança acharia da história e pensei, "Isso é literatura infantil? Por que não?".
Um livro para crianças precisa sempre ter finais felizes e lições de moral? Parece que é isso o que convencionou-se ultimamente. Acredito que uma criança ficaria em choque ao ler O dragão de gelo tendo que ler sobre morte, guerra, exclusão e solidão. Nossas crianças não estão sendo criadas para lidar com o lado obscuro da vida. Até hoje eu lembro da primeira vez em que, na Literatura, me deparei com uma história sem final feliz, e isso muito tardiamente, aos 16 anos, ao concluir a leitura de O morro dos ventos uivantes. A minha reação foi de revolta ao concluir que: ninguém é feliz na história; o casal não fica junto no final (nem no meio, nem no início e nem em momento algum da narrativa) e um dos protagonistas morre no decorrer do enredo. COMO ASSIM? QUE LIVRO HORRÍVEL! A reação inicial só foi se desfazer na releitura, anos depois, quando eu estava mais madura e mais ciente da vida como ela é. Se eu tivesse lido livros como O dragão de gelo antes, será que eu odiaria tanto O morro dos ventos uivantes quanto eu odiei na primeira vez que o li? Ou será que só a maturidade de uma idade mais avançada faria isso? Dúvidas, dúvidas...
Outra coisa que me chamou atenção para a singularidade desse livro foram as reconhecidamente lindas e elogiadas ilustrações de Luis Royo, que em nada lembram as coloridas e gritantes ilustrações de livros infantis tradicionais, que comumente têm traços exagerados e nada sutis e que possuem mais uma função didática de acompanhar e tornar mais palatável a interpretação do texto do que de agradar os olhos do leitor.
No caso desse conto de Martin, as ilustrações são de uma beleza sem igual, com traços sutis e poucas cores neutras, que dão o tom exato da história. O ambiente gélido, a solidão e a tristeza são sentidas nos traços lânguidos e nas figuras de expressões melancólicas de Royo.
Ao final de toda essa história, a do conto e a das reflexões que ele me causou, não tem como não recomendar a leitura para todos, inclusive para crianças.
Beijinhos, Hel.
MARTIN, George R. R.. O dragão de gelo. (Tradução de Gabriel Oliveira Brum e ilustrações de Luis Royo). São Paulo: Leya, 2014. 128 p.
Beijinhos, Hel.
MARTIN, George R. R.. O dragão de gelo. (Tradução de Gabriel Oliveira Brum e ilustrações de Luis Royo). São Paulo: Leya, 2014. 128 p.
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