A sombra do vento - Carlos Ruiz Zafón



"[...] poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho ao seu coração." (ZAFÓN, p. 11)

A sombra do vento pode não ser o primeiro livro a abrir caminho ao me coração, mas, com certeza, é um dos que levarei para sempre na memória. O protagonista, Daniel Sempere, certo dia acorda desesperado por não lembrar mais do rosto da falecida mãe. Seu pai, então, o leva ao Cemitério dos Livros Esquecidos para um passeio mais do que especial em que ele pode levar um livro para casa, qualquer um que ele quisesse, sob a condição de que ele cuidasse do exemplar para que ele nunca fosse esquecido. E é aí que ele se encontra pela primeira vez com A sombra do vento e fica fascinado pela estória. Vira a noite lendo e fica curiosíssimo para saber quem é o autor, Julián Carax, e descobrir mais sobre a vida dele.

Ao procurar por outros livros do mesmo autor, Daniel descobre que alguém os está queimando e a partir daí começa a investigar a vida de Julián para saber porque isso está acontecendo. Ao passo que Daniel investiga o passado de Julián, começa a perceber o quanto a vida de ambos está entrelaçada e, a cada camada em que ele se aprofunda nesse mistério, fica mais preso.

"O livros são espelhos: neles só se vê o que possuímos dentro [...]" (ZAFÓN, p. 174)

Em certo ponto, as histórias de Daniel e Julián ficam tão interligadas e semelhantes, que é preciso redobrar a atenção para não se perder na narrativa. Conhecemos, então, personagens como o Inspetor Fumero, cruel e perigoso, que sai da vida de Julián para atormentar Daniel e seus amigos. Acompanhamos os amores impossíveis de Daniel e Julián, intercalando passado e presente. E nos envolvemos numa rede de segredos e mentiras que nos deixam cada vez mais curiosos para descobrir porque alguém odiava tanto Julián Carax a ponto de querer apagar não só ele, como também sua memória.

"Há prisões piores do que as palavras." (ZAFÓN, p. 292)

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A sombra do vento é um livro que tem todos os predicados para agradar um leitor assíduo: fala sobre livros, tem uma escrita poética e cheia de aforismos, tem mistérios do início ao fim, personagens cativantes e uma dose de romance. Além disso, tem uma ambientação que, apesar de se passar na Espanha pós Guerra Civil, consegue trazer uma atmosfera quase mágica e um tanto assustadora. É sabido que possui uma legião de fãs e isso, inevitavelmente, acabou por me fazer criar expectativas bem altas para essa leitura e, como dizem por aí "Não crie expectativas, crie unicórnios". Felizmente, eu me surpreendi demais com essa leitura e nunca usei tantos post-its e flags em um livro com usei nesse. Ele é cheio de frases marcantes que fará qualquer apaixonado por livros suspirar, mas os elogios não vão somente para o estilo do autor, é preciso reconhecer que, embora eu não seja tão fã de romances com mistério e investigação, esse ganhou meu coração e a minha curiosidade, me fazendo ansiar pela resolução do caso de Julián e, ao mesmo tempo, ficar triste pelo livro estar chegando ao fim.

"De todas as coisas que Julián escreveu, aquela que sempre me pareceu mais próxima é a que diz que, enquanto os outros se lembram de nós, continuamos vivos." (ZAFÓN, p. 366)

Se eu não soubesse de antemão que o livro foi publicado pela primeira vez em 2001, poderia dizer que é mais antigo, pois a escrita de Zafón tem ares de livro clássico. Sério mesmo! Isso explica muito o meu amor por esse livro, já que sou apaixonada pelo estilo dos clássicos, essas narrativas que conquistam pelo conteúdo, mas que também têm uma forma mais erudita.

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A sombra do vento faz parte da série "O cemitério dos livros esquecidos", contando com mais três títulos: O jogo do anjo (Suma de Letras), O prisioneiro do céu (Suma de Letras) e El laberinto de los espíritus que ainda não tem uma edição brasileira, mas ao que tudo indica, a Suma de Letras vai lançar no segundo semestre desse ano (YAYYYY!) e, inclusive, estão  preparando novas edições dos outros três livros da série. É pra glorificar de pé, não é gente?

Beijinhos, Hel.

ZAFÓN, Carlos Ruiz. A sombra do vento. Tradução de Marcia Ribas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. 399 p.

Gertrude sabe tudo - L. Rafael Nolli

Quando o Rafael (@nollirafael) entrou em contato comigo propondo uma parceria, e me disse sobre o que se tratava o livro dele, Gertrude sabe tudo, não demorei muito a aceitar e embarcar nessa leitura. É sabido que eu leio muitos clássicos, mas, volta e meia, leio literatura infantil e juvenil, pois acho que nunca é tarde de mais para apreciar um bom livro infantil.

Apesar das reflexões bem adultas, esse livro tem uma linguagem simples e pode ser lido tranquilamente por crianças de qualquer idade.
Ainda mais quando é um livro sobre livros, ou sobre o amor pela leitura. A protagonista é uma menininha cheia de "idiossincrasias", que vive lendo e sabe de muita coisa, como o título da estória sugere. Porém, os pais, familiares e conhecidos não enxergam com bons olhos toda essa paixão que ela tem pelos livros. Gertrude frequentemente falava muito e sobre assuntos que até mesmo os adultos não compreendiam, é que na ânsia que ela tinha por conversar sobre as coisas que ela descobria nos livros acabava por se empolgar no falatório e irritava um pouco os que estavam a sua volta. 



O que me deixou profundamente indignada é que nem mesmo os pais dela viam isso com bons olhos, ao invés de incentivar a curiosidade e criatividade da filha, eles queriam que ela fosse menos "esquisita" e mais como as outras crianças da idade dela. E isso não poderia resultar num final feliz para essa estória, não mesmo.

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Dentre as várias reflexões que esse pequeno livro me causou, uma delas foi enxergar essa sociedade que condena o diferente e que exalta o padronizado. A Gertrude é uma menina fictícia, mas podemos encontrar muitas Gertrudes pelo mundo afora sentindo-se deslocadas. Meninas (e meninos) cuja curiosidade foram podadas por um sistema escolar ou um ambiente familiar que não os incentivou.

"Para que uma pessoa precisa saber tanto?
Por que ir além do estritamente necessário?
Estudante tem que aprender o suficiente para passar de ano. Mais do que isso de que vai ajudar?"

Existe uma frase (que não encontrei em lugar nenhum mesmo pesquisando muito) que fala sobre o hábito da leitura, no mundo de hoje, ser um ato de rebeldia e acredito que ela se encaixa perfeitamente na minha interpretação desse livro. O problema nesta estória é que a rebeldia de Gertrude foi sufocada por uma convivência em uma sociedade que não valoriza meninas que passam os dias com o nariz nos livros, mas sim, meninas que se preocupam (somente) com maquiagens, namorados e roupas. E isso não poderia ser mais verdadeiro. Quase ninguém valoriza o que não é belo, esteticamente agradável. Hoje em dia tudo gira em torno de se passar uma "boa imagem". O conteúdo é secundário.

Além de ter um conteúdo incrível, o livro é todo ilustrado pelo Gutto Paixão.

Enquanto professora, gostaria que houvessem mais crianças e adolescentes como Gertrude, porém, a realidade é bem o oposto. Da minha observação da realidade das escolas e dos jovens que conheço, afirmo com tristeza que a maioria deles encontra diversão apenas em conteúdos supérfluos e abominam a leitura de um texto que tenha mais de três parágrafos. Por isso, se você conhece alguma Gertrude, dê um livro de presente, leia com ela (dê esse livro a essa criança). Por outro lado, se você conhece algum jovem que não é nem um pouco como Gertrude, saiba que nunca é tarde para se incentivar a leitura (eu sou a prova disso).

Beijinhos, Hel.

NOLLI, L. Rafael. Gertrude sabe tudo. Ilustrações de Gutto Paixão. 1ª ed. MG: Gulliver, 2016. 48 p.

TAG Lugares Literários

TAG


Oi, gente. Tudo bem? Hoje eu respondo a tag "Lugares Literários"  que a  Leth do Loucura por leituras me marcou e que eu gostei muito das perguntas. Vou, então, relacionar algumas das leituras que eu fiz com lugares da ficção:

1- Chester Mill (Sob a Redoma): Uma história que te prendeu

O planeta dos macacos foi uma leitura que terminei de um dia para o outro de tão entretida que fiquei no enredo. Por causa desse livro que comecei a me interessar mais por ficção científica.

2- Nárnia (As Crônicas de Nárnia): Um livro que te levou pra outro mundo

O Hobbit me levou para as tocas aconchegantes dos Hobbits e, também, para as florestas hostis da Terra Média.
3- Hogwarts (Harry Potter): Um livro que te ensinou algo

Admirável mundo novo foi uma leitura que abriu muito meus olhos para a alienação que sofremos e como o modo como nos relacionamos é, às vezes, superficial.



4- Panem (Jogos Vorazes): Um livro distópico

Eu amo distopias e a minha favorita é 1984. Das sociedades dos livros distópicos, acredito que a desse livro é a mais opressora, só lendo para saber a agonia que é estar na pele do protagonista Winston Smith.

5- Condado (Senhor dos Anéis): Um livro que te deu sensação de lar ou quentinho no coração

Suzy e as águas-vivas é uma estória tão fofinha, apesar de tratar sobre como Suzy lida com o luto e a perda de uma amiga.


6- Labirinto (Maze Runner): Um livro que te deixou perdido

Morte súbita me deixou confusa pela quantidade de personagens.

7- Terra do nunca (Peter Pan): Um livro da sua infância

Bom, como eu não fui uma criança leitora e só fui adquirir o gosto pela leitura quase adulta, vou citar um livro que eu não li exatamente enquanto criança, mas sim, pré-adolescente: Harry Potter. <3

8- Westeros (As Crônicas de Gelo e Fogo): Um livro com várias reviravoltas   

O primeiro que me veio à mente para responder essa foi Macunaíma do Mario de Andrade. Pensem num livro cheio de loucuras, agora multipliquem por mil. Ainda não chega aos pés dessa estória. Esse livro é amado por uns, odiados por outros. Eu precisei ler duas vezes para começar a entender e, com a ajuda da minha professora de Literatura, consegui apreciar melhor a obra.

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Tag dada, tag respondida.

Beijinhos, Hel.

O menino feito de blocos - Keith Stuart

"Desde o início foi uma criança difícil. Não comia, não dormia. Só chorava e chorava [...]  Parecia revoltado por estar no mundo." (STUART, p. 8)

Baseado em sua vida com um filho autista, Keith Stuart escreveu esse livro sincero sobre as dificuldades de se criar uma criança que está sob o espectro do autismo.

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De início já sabemos que o casamento de Alex com Jody está desmoronado, os dois estão tentando uma "separação experimental". Ele vai, então, morar com um amigo de infância, Dan. E é a partir da perspectiva dele que sabemos como é o seu relacionamento com o filho Sam, de dez anos, que ficou com a mãe, e que sempre fora uma incógnita para Alex que, erroneamente, quando olhava para o filho enxergava só o autismo e não a subjetividade da criança. Aliado a isso, Alex também perde o emprego e se vê numa situação ainda mais difícil, pois era ele quem sustentava a casa e a escola de Sam. Desse modo, Jody começa a trabalhar e Alex precisa ficar cuidando do filho nestas ocasiões.

O interessante dessa estória é que Alex, enquanto pai, tem noção de que foi relapso e se absteve de cuidar de Sam, já que Jody sempre fez isso. Ele dizia que ficava trabalhando até tarde para poder dar uma vida melhor aos dois, mas a verdade é que ele inconscientemente fugia do filho e do desafio de entendê-lo. Aquele velho pensamento de que a mãe tem mais "jeito" com os filhos e o homem é quem sustenta a casa. Apesar de Jody ser uma personagem secundária, pensei muito na situação dela e em quantas mulheres passam pelo mesmo, seja com filhos "normais" ou com necessidades especiais. Até quando a criação dos filhos ainda vai ser vista como uma função primeira das mulheres? É perceptível que Jody pede para que Alex saia de casa para ver se ele entende que nada está o.k., e que ele precisa mudar antes que Jody (e também Sam) saiam da sua vida para sempre.

"Sam é o planeta de preocupações e caos que nós temos orbitado pela maior parte do nosso relacionamento." (STUART, p. 16)

Então, Alex começa a entrar em contato com Sam sem Jody estar por perto e precisa lidar com as crises de pânico, as oscilações de humor e a sensibilidade elevada que ele tem aos ruídos e acontecimentos do mundo. Como Alex costumava dizer, o mundo é uma aventura para Sam, e não um passeio. O que ele não esperava era que um jogo de vídeo-game, o Minecraft, fosse uni-los e fazer com que eles compartilhassem algo só dos dois, o "mundo do papai e do Sam". É aí que Alex vê uma oportunidade de se aproximar e entender a personalidade de Sam e entender melhor como ele enxerga o mundo a sua volta.

"Nesse universo, onde as regras são precisas, onde a lógica é clara e infalível, Sam está no controle." (STUART, p. 134)

Ao tentar entender o filho, Alex percebe que precisa entender a si mesmo, primeiro, e superar acontecimentos do seu passado. 

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É engraçado tudo isso porque sempre ouvimos que não é saudável deixar as crianças jogarem vídeo-game e que isso em nada acrescenta à educação delas. Eu sempre pensei o contrário, e essa estória mostra que por meio de uma realidade virtual Alex se aproxima do filho e compreende quais são suas inseguranças e medos. Além disso, Sam sente-se mais confortável para se comunicar com o pai sobre Minecraft, um assunto que ele domina. E aproveitando uma brecha aqui, outra ali, o pai consegue estabelecer um diálogo com ele. É bem bonito e muito tocante.

Esse livro veio parar nas minhas mãos ao acaso, por cortesia da editora, e confesso que o autismo não é um tema que eu compreenda, talvez eu e Alex tenhamos muito em comum. Mas posso dizer que aprendi muitas coisas sobre o autismo e, principalmente, desenvolvi uma maior sensibilidade em relação à criação de filhos autistas (ou não, mas claro que um filho autista tem as suas particularidades e dificuldades). Algo que a Cecília do Blog Refúgio comentou e que também me tocou bastante durante a leitura foi a questão “quem cuida de quem cuida?”. Se as pessoas já julgam pais e mães em condições normais, imaginem nesse caso? 

"Eu não tinha pensado nisso antes, em como o autismo é uma versão amplificada e muito centrada de como todos nos sentimos, das ansiedades que todos temos. A diferença é que o restante de nós esconde tudo sob camadas de negação e de condicionamento social." (STUART, p. 215)

A minha experiência de leitura, apesar de arrastada, foi bem gratificante e me fez terminar esse livro com um quentinho no coração.

Beijinhos, Hel.

STUART, Keith. O menino feito de blocos. Tradução de Ana Carolina Delmas. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2016. 377 p.